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Estado de Minas

Seguidores de comunidade defendem seita acusada de aplicar golpes

Em fazendas e lojas, portas são fechadas a estranhos e poucos dão declarações


postado em 19/08/2015 06:00 / atualizado em 19/08/2015 07:47

Trabalhadores em plantação da Fazenda Paraíso Manancial, uma das propriedades da seita em São Vicente: defensores dizem que esforço é em benefício de todos(foto: Fotos: Jair Amaral/EM/D.a press)
Trabalhadores em plantação da Fazenda Paraíso Manancial, uma das propriedades da seita em São Vicente: defensores dizem que esforço é em benefício de todos (foto: Fotos: Jair Amaral/EM/D.a press)

São Vicente de Minas –
Na entrada da Fazenda Paraíso Manancial, uma das seis em São Vicente de Minas que pertencem à seita “Jesus, a verdade que marca”, várias mulheres e algumas adolescentes trabalhavam nessa terça-feira no cultivo de ervilhas. Mas, assim como outros integrantes da comunidade que atuam em lojas do grupo na cidade, elas são orientadas a não conversar com ninguém de fora. Mais adiante, um grupo trabalhava no cultivo de banana, laranja, maracujá, limão e café. Na portaria de acesso à sede da fazenda e aos galpões onde os fiéis vivem, um dos moradores se sentia difamado por se considerado escravo pelas autoridades policiais. “Agora, as pessoas de fora vivem me apontando e me chamando de escravo. A gente é livre. Aqui ninguém trabalha acorrentado, não tem cerca elétrica e a gente pode sair quando bem quiser”, reagiu o homem, que não quis se identificar.

Porém, segundo a costureira O.M., ex-seguidora do grupo que falou ontem ao Estado de Minas, a realidade não é bem essa. Ela conta que na Fazenda Nova Esperança, onde viveu por seis anos, também em São Vicente, mais de 130 famílias ainda trabalham sem carteira assinada ou direito a salário. “Tudo o que a gente precisava tinha que pedir para os líderes: roupas, remédios, tudo. Se eu estava precisando de um sapato, tinha que entrar na fila e esperar ganhar um”, disse. “Você não sabe o prazer de ter uma agulha em casa comprada com o seu dinheiro. A liberdade não tem preço. Hoje, eu não tenho obrigações. Faço o que quero e o que gosto. Hoje, ouço minha música, vejo a minha novela e sou muito feliz”, desabafa ela.

Mas os seguidores do grupo têm outra visão. Também morador da Fazenda Paraíso, outro homem disse trabalhar com dignidade para sustentar seus filhos. “Aqui é uma associação de agricultura familiar. A gente trabalha para pagar a luz que a gente gasta, a comida que a gente come e o sapato que a gente ganha. Aqui não temos drogas, não tem crime nenhum. Trazemos o que é de melhor para essa cidade”, reagiu. Um terceiro se diz responsável pelo transporte da produção até Belo Horizonte, além de plantar e colher. “Não temos salário, porque tudo o que a gente ganha é dividido por igual entre todos.” Para outro, “o que a polícia está fazendo é uma perseguição religiosa”. No local, segundo ele, são eleitos presidente, diretores e tesoureiro, como em toda associação.

Na cidade, integrantes do grupo têm a mesma resposta quando questionados sobre o que são e o que fazem:  “Nada a declarar”. Em uma loja de peças automotivas deles, a vendedora recebeu o apoio de uma cliente: “Nossos jovens estão morrendo no tráfico e as pessoas preocupadas com quem está trabalhando”. O motorista Nélson Afonso da Silva, de 36, disse que é cliente há um ano e meio e admira a educação dos funcionários. A dona de casa Aparecida Fátima de Carvalho, de 34, mora em uma fazenda ao lado de uma propriedade do grupo, no município vizinho de Madre de Deus, e conta que tem um bom relacionamento com os vizinhos. “Quando a gente precisa de alguma coisa, eles nos ajudam. Nossos filhos vão para a escola na mesma perua. Quando é escravidão, as pessoas andam maltratadas. São todos alegres. Não parecem tristes”, disse.

Dirigente diz que produção da lavoura é voltada para o sustento dos associados
Dirigente diz que produção da lavoura é voltada para o sustento dos associados

‘TODOS IGUAIS’
O diretor da Fazenda Paraíso Manancial, Paulo Henrique da Silva, em rápida entrevista, definiu o local como uma associação agrícola familiar e negou as acusações da Polícia Federal. Ele recebeu a equipe do Estado de Minas na portaria e garantiu não haver trabalho escravo no lugar. “Aqui, todo mundo trabalha e vive em conjunto. Tudo o que plantam, eles colhem para o sustento dos próprios associados. Todos os direitos são iguais. Eu, por exemplo, moro no alojamento e as minhas instalações são as mesmas de todos”, disse.

O fato de ninguém ter carteira de trabalho, segundo ele, ocorre por se tratar de uma associação. “A associação nasce de uma vontade comum de pessoas que têm os mesmos objetivos. Não havendo isso, seríamos chefes e empregados. Aqui, somos donos disso tudo”, afirmou.

Qualquer pessoa que quiser sair do grupo, segundo ele, pode pedir “demissão ou desassociação”. “Várias pessoas  foram embora desse projeto e receberam ajuda financeira até serem reinseridas no mercado de trabalho lá fora. Mas, essa ajuda é definida mediante a vontade dos associados, que decidem se a pessoa merece ou não receber ajuda. A pessoa que usa drogas aqui dentro, ou tenta abusar de uma criança, por exemplo, é convidada a se retirar.  Mas, tudo é decidido em assembleias”, sustenta, contestando ainda as denúncias de censura a programação de TV ou restrições a relações sexuais.

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A prefeita de São Vicente de Minas, Regina Coeli Carvalho Lima (PMDB), lembra que era vereadora em 2005 quando a cidade foi “invadida” por cerca de 1,2 mil pessoas acompanhando os líderes da seita, com promessas de trabalhar em fazendas e no comércio. “Traziam dinheiro nos porta-malas dos carros e compravam tudo”, disse. A prefeita evita falar do grupo, para não contrariar ninguém. “Eles já tiveram muita raiva de mim”, comentou, admitindo que depois se tornou amiga de um dos líderes da seita que foi eleito vereador, Miguel Donizete Gonçalves (PTC), o único da cidade preso na operação da PF.

A prefeita conta que em 2005 não havia estrutura para atender a demanda, principalmente na saúde. Hoje, ela garante que a cidade se adequou e mantém política de boa vizinhança com o grupo. Apesar da cautela, Regina Coeli questiona o fato de muitos da seita terem carros e casas de luxo e outros não. “Mas as pessoas que entram não reclamam”, diz.

Atualmente, 140 famílias da comunidade recebem o Bolsa-Família, mas são proibidas de participar de projetos sociais da prefeitura ligados ao benefício federal, principalmente idosos e crianças. “Eles não se misturam. No comércio, só empregam quem é do grupo. Mas são muito educados com a gente”, relata.

Os líderes da seita têm seus próprios advogados, fundaram uma associação de assistência social só deles e até conseguiram doação de um carro do governo federal, o que a prefeitura não conseguiu. A prefeita conta que até ela é proibida de entrar nas fazendas do grupo. “Só me recebem se for agendado. São muito bem instruídos e não é qualquer um que pode falar com terceiros. Se chegar sem avisar, não entra”, comentou uma assistente social da prefeitura, que pediu anonimato.

Segundo integrantes da Secretaria Municipal de Educação, crianças das fazendas estudam em escolas municipais e estaduais, mas seus pais não frequentam reuniões. “Mandam uma única pessoa para representar todos”, disse uma integrante da administração. Há muita rotatividade de alunos, segundo ela, pois os pais vivem mudando de região. (PF)


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