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Estado de Minas

Ex-professor guarda relíquias em antiquário na Região Leste de BH

Hábito de colecionador de acumular objetos antigos começou há 30 anos, com uma máquina de costura de mão.


postado em 26/07/2015 06:00 / atualizado em 26/07/2015 09:47

"Não foi fácil sair dessa. Admitir o vício, e abrir mão de coisas que me são caras" - Elio Julião, ex-professor e dono de antiquário (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
E assim começa a história do ex-professor de educação física Elio Julião de Souza, de 67 anos, um acumulador compulsivo de coisas antigas, que, ao se ver aposentado, transformou o seu estranho vício em negócio. Em dezembro de 2013, decidiu alugar uma casa e abrir o antiquário que leva seu nome, em uma rua tranquila do Bairro Sagrada Família, Região Leste de Belo Horizonte. A ideia partiu dele mesmo, com pronto apoio da família. Afinal, surgia ali a chance de dar um destino a tamanha quinquilharia.

A origem de tudo foi uma máquina de costura de mão, daquelas de ferro, adquirida há mais de 30 anos. Comprou uma, duas, consertava, limpava, até que tomou gosto. Passou, então, para os lustres, ferramentas, rádios e, aos poucos, para outros objetos, garimpados em lojinhas e casas no interior, em brechós e até mesmo na Rua Itapecerica, na Lagoinha, tradicional reduto de comércio do tipo topa-tudo e de antiquários de Belo Horizonte – "um paraíso".

Com a censura nem tanto velada da mulher, Rosemeire, e dos filhos Rafael, de 29, Bruno, de 27, e Leandro, de 23, Elio, muitas vezes, escondia seus achados por alguns dias dentro do carro e, aos poucos, ia levando para a casa, um apartamento no mesmo bairro da loja. “Imagina tudo isso dentro de um apartamento... Era só chegar em casa com alguma coisa que a briga recomeçava.”

Rosto sem identificação, supostamente de Churchill(foto: Vera Schmitz/EM/D.A Press)
Rosto sem identificação, supostamente de Churchill (foto: Vera Schmitz/EM/D.A Press)
Seu outro, e maior, "esconderijo" era um barracão na casa dos pais, em Sete Lagoas. Levava as coisas para lá e, da mesma forma, aos poucos trazia para casa. Segundo ele, passar de admirador de peças antigas a acumulador compulsivo foi um pulo. "Mas não foi fácil sair dessa. Admitir o vício e abrir mão de coisas que me são caras", diz.

Um rápido olhar pelo antiquário de Elio Julião é, como não poderia deixar de ser, uma volta ao tempo. Às máquinas e lustres do início se juntaram ferros a carvão, bules, relógios, peças de porcelana, cristal e prata, ventiladores, relógios de ponto, panelas, enceradeiras, liquidificadores, rádios, candeias usadas antigamente na iluminação e até um pente de ferro que era aquecido em brasas para alisar cabelos crespos.

Uma infinidade de coisas de encher os olhos de consumidores ávidos por coisas “sem utilidade”, como gostava de dizer a família de Julião, mas que têm sempre um lugar reservado na decoração de uma casa, de um restaurante, um jardim, enfim, de um cantinho charmoso de qualquer ambiente. “Sei que são peças não assinadas, mas de grande valor.”

HERANÇA Perguntado se existe algo na loja que ele não pretende se desfazer “de jeito nenhum”, Elio diz sem titubear: as coisas herdadas do pai, João Marques de Souza, ferreiro da Central do Brasil, falecido há 26 anos, aos 89. São ferramentas feitas por ele, o aparelho de barbear e uma máquina fotográfica Yashica, “totalmente manual”, comprada por seu João nos anos 1960. Elio tem planos ainda de trazer de Sete Lagoas a placa da rua e o número da casa dos pais em Sete Lagoas, que será vendida. “Uma das casas mais antigas do lugar, ainda de adobe”, conta. Sua ligação com os pais é tão grande que o próprio nome da loja, Julião Antiquário, é uma espécie de homenagem a eles – J, de João, e o A, de Ana, sua mãe, também falecida.

Máquina fotográfica
Máquina fotográfica "toda manual", herdada do pai (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
E há algum objeto à venda que dará um aperto no coração ao ser vendido? Elio mostra uma coleção de espelhinhos de bolso redondos, com fotos de mulheres em poses sensuais, febre entre os jovens no início dos anos 1970. Tem ainda os óculos, deles mesmo, modelo John Lennon. “Nesses eu ponho um freio quando alguém se interessa”, fala, sem disfarçar o sorriso.

CHURCHILL Elio conta que praticamente tudo que tem na loja está catalogado. Mostra, porém, um objeto que não conseguiu ainda descobrir do que se trata: um quadro de ferro com o rosto de um homem talhado. “Será Churchill?”, pergunta, referindo-se ao primeiro-ministro britânico Winston Churchill, que ficou na história por sua atuação durante a Segunda Guerra Mundial. O objeto, saído sabe-se lá de onde, dá uma pista do que um acumulador considera um achado, enquanto pessoas ditas comuns não dariam o seu devido valor.

E como negócio? Transformar o vício em um antiquário valeu a pena, ou é apenas uma forma de manter por perto os objetos acumulados por mais de 35 anos? Elio Julião explica que o primeiro ano foi muito bom. Todos que entravam acabavam levando uma peça – os preços variam muito. Há chaleiras de ferro por R$ 65, mas, também, objetos que custam R$ 720, como as luminárias estilo anos 20, e R$ 1,2 mil, como um baleiro de três andares. “Se gostavam, levavam sem pensar. Hoje é diferente. Com a crise, principalmente depois da Copa do Mundo, as pessoas parecem ter medo de comprar. Preferem pensar antes.” Para ele – um “achismo”, como diz –, são raros os países que depois de Copas do Mundo escaparam ilesos, sem crise.

Mesmo assim, ele diz que o que ganha dá para pagar as despesas da loja. E se declara muito satisfeito. No trabalho, além de ocupar o tempo, ocioso depois da aposentadoria, tem feito amigos. As pessoas parecem gostar do ambiente e, assim como ele, têm uma história para contar a respeito de alguns objetos. “É também uma oportunidade de passar um pouco da história para as pessoas mais jovens”, diz Elio, mostrando sua última aquisição: uma carteira escolar de madeira com a palavra Brasil gravada nos pés de ferro e com lugar para a caneta e o tinteiro, comprada de um brechó promovido por um criador de cães para ajudar a bancar o canil. “Pena que cheguei tarde”, lamenta Julião.

Um parêntese

Recorrer à internet em busca de uma definição melhor sobre o tema central de uma reportagem é quase um caminho natural. Neste caso, um parêntese merece ser aberto diante das surpresas sobre o significado de “acumulador”, termo que deu origem a esta reportagem. O Dicionário On-line revelou-se uma surpresa como primeira definição: aparelho elétrico que acumula energia sob a forma química, para restituí-la em forma de corrente. Logo abaixo, o Dicionário Informal dá a seguinte resposta, mais surpreendente ainda: “Vixe!!! (sic). Acumulador ainda não possui nenhuma definição”. Aí aparece o Michaelis, que, enfim, dá uma definição mais próxima. Além do tal aparelho, esse dicionário informa o seguinte: “Que acumula ou amontoa várias coisas, ajuntador, coletor”. Mais adiante, no entanto, um site de psiquiatria tocou no ponto certo: “Transtorno com fortíssima repercussão comportamental e cognitiva caracterizada por recolhimento excessivo de coisas e incapacidade de descartá-las”. Por coisas, entenda-se o que a maioria das pessoas chama de quinquilharias. Fecha parêntese.


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