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Estado de Minas

Amigos lamentam a morte aposentado agredido por urinar em lote na capital

Luiz Guimarães de Souza, espancado nessa quarta-feira no Bairro Nova Suíça, foi descrito por amigos como um 'Um homem de Deus'


postado em 02/04/2015 06:00 / atualizado em 02/04/2015 07:10

(foto: ÁLBUM DE FAMÍLIA )
(foto: ÁLBUM DE FAMÍLIA )

No fogão, o arroz pronto para o logo mais que não veio. O feijão na panela de pressão com carne de sol foi feito na noite anterior. Luiz Guimarães de Souza, o Baiano, gostava de uma boa pratada. Na cozinha, meia dúzia de panelas dependuradas para o arranjo dos temperos. A geladeira branca fechada na marra, por uma corda. No conjugado de simplicidade, dois quartos. No de Baiano, o estrado sem colchão. Já o cômodo de hóspedes, duas camas macias. Banho só de água fria. Ali, tudo de melhor é para o outro. Na primeira luz da manhã, o pedreiro deixou o pequeno galpão em que morava, na Rua Castro Alves, para a consulta médica. No último mês, a saúde andava de mal a pior. Câncer de próstata em estágio avançado. Ele não sabia. Os mais próximos se preparavam para trazer o assunto à luz e dar início ao tratamento.

Evangélico, sem mulher, irmãos ou filhos, um homem de muitos amigos. Simples, vestido sempre de bermuda, boné e camiseta. E chinelos de dedos. “Um homem de Deus”, os amigos repetiram por vezes. Natural de Conceição de Ipanema, no Vale do Rio Doce, o mineiro Baiano passou pelo Rio de Janeiro e saiu da casa dos pais para ganhar o mundo ainda em calças curtas, aos 12. Sem nunca ter passado em sala de aula, veio parar em Belo Horizonte, onde aprendeu a assinar o nome e fez a vida como faz-tudo em casas de família. Autodidata, trabalhador e dedicado, Baiano se tornou pedreiro de respeito e conquistou a confiança de endereços de Norte a Sul na cidade.

O mecânico Jomar Trant de Miranda, de 67, conta mais de meio século de amizade no Bairro Nova Suíça. “Ele ensinou muita coisa. Tudo dele era para os outros. Meu pai morreu, eu tinha 10 anos. Baiano foi importante para todos nós. Ensinava bondade”, considera com a voz embargada. O pedreiro morou por 30 anos na casa do amigo. A mãe de Jomar, dona Maria, Baiano chamava de tia. E foi ao enterro da tia Maria, que os amigos viram Baiano chorar pela primeira vez. Ontem, foi dia de infelicidade. A notícia da morte, depois da violência anotada no boletim de ocorrência da Polícia Militar, estarreceu os amigos.

Luiz Guimarães, de 77 anos, não chegou a ser levado a um hospital porque morreu no local(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
Luiz Guimarães, de 77 anos, não chegou a ser levado a um hospital porque morreu no local (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)

No Instituto Médico Legal (IML), as irmãs Renata, Cristiane, Juliana e Luciana aguardam a liberação do corpo de Baiano. Elas são filhas de Geraldo Magela Rabelo e Ieda Bargas Rabelo – casal amigo de uma vida do operário. Baiano, “o tio mais velho de consideração” viu as quatro irmãs crescerem. Elas, comovidas, revelam que a primeira notícia, por volta das 9h, trouxe a informação de que Baiano tinha passado mal e morrido. “Depois soubemos da violência do que aconteceu. Um homem bom, morrer assim. Foi ainda mais triste que o câncer”, lamenta Cristiane. A professora relembrou com saudade doída e alegria o sorriso marcante do pedreiro.

As irmãs Bargas desfiaram a linha do tempo para relembrar o moço, braço direito do pai nos anos 1960 e 1970. Em 1983, com a morte de Geraldo Magela, Baiano se fez ainda mais presente na vida das meninas Bargas. E o que era afeto, ganhou a força e o laço da consideração. Tanto que as casas se multiplicaram com os casamentos e Baiano, naturalmente, passou a transitar também pelas famílias dos genros de dona Ieda. Luciana reforça que o “tio” era mesmo exemplo para todos. “Uma pessoa que valorizava o perdão, o acolhimento. Ele seria capaz de doar a roupa do corpo para fazer o bem a qualquer um”, ressalta. O pedreiro costumava abrigar moradores de rua em casa.

A sobrinha de sangue, Rita de Cássia, de 53, moradora de Contagem, assumiu o trâmite burocrático da liberação do corpo. Tomada de tristeza, sem ver o tio há cinco anos, Rita vê com orgulho o tanto que Baiano se fez querido, com todas as manifestações de carinho das últimas horas. “Cada irmão tomou um rumo para cuidar da vida. Eram seis. Ele era o último. A família dele foram os amigos”, emociona-se. O corpo de baiano vai ser velado hoje, a partir das 6h, no velório 6, no Cemitério do Bonfim. O sepultamento está marcado para as 11h. Para os amigos e familiares, o céu está em festa para a acolhida de “um homem de Deus”.

"Um respeitador. Um senhor humilde, simples e muito sábio. A sabedoria dele vai fazer falta"
Luciana Bargas, sobrinha de consideração

"Cada irmão tomou um rumo para cuidar da vida. Eram seis. Ele era o último. A família dele foram os amigos"

Rita de Cássia, sobrinha de sangue


Triste fim de uma vida de luta

A Polícia Civil vai investigar as circunstâncias da morte do aposentado Luiz Guimarães de Souza, de 77 anos, na manhã de ontem, no Bairro Nova Suíça, na Região Oeste de Belo Horizonte. Segundo familiares, ele se sentiu mal e procurou atendimento médico no Centro de Saúde Noraldino de Lima, na Rua Junquilhos, a poucos quarteirões de casa. Embora não soubesse, tinha câncer de próstata avançado e iniciaria tratamento no fim deste mês. No boletim de ocorrência registrado por policiais militares da 125ª Companhia do 22º Batalhão, consta que, ao voltar para casa, Luiz, que tinha incontinência urinária, entrou em um lote, por um buraco no muro, onde funciona um estacionamento, na Rua Marajó. Quando estava urinando, foi abordado pelo vigia Anderson Vitor dos Santos, de 27 anos, que disse à PM que agrediu o aposentado com chutes e pontapés e o pôs para fora segurando pelo pescoço. E ainda que não prestou socorro quando ele caiu, porque considerou a situação normal. Segundo o atestado de óbito em posse da família, Luiz sofreu traumatismo craniano contuso.

Testemunhas contaram a polícia que encontraram Luiz caído e inconsciente. O analista de sistema Teófilo Eugênio Chagas de Oliveira, de 58 anos, que trabalha em uma empresa perto do lote, foi o primeiro a ajudar o aposentado. Ele disse que ouviu alguém gritando que um homem estava caído e foi ao local. Um bombeiro à paisana também ajudou e fez massagens no peito de Luiz até a chegada do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu). “O resgate assumiu o procedimento de reanimação cardiorrespiratória, mas o senhor não reagiu. Pessoas falaram que ele havia sido agredido pelo vigilante, mas, quando cheguei, já estava no chão”, disse a testemunha. Policiais militares abordaram o vigia em um dos barracões do estacionamento, onde ele confessou a agressão, segundo consta no boletim de ocorrência.

Parentes e amigos de Luiz Guimarães ficaram indignados. “Ele pegou um idoso com a saúde debilitada e totalmente fragilizado, que sentiu necessidade de ir ao banheiro, mas que sabia que não chegaria em casa a tempo, que preferiu entrar em um lote para não fazer sua necessidade na rua, na frente de todo mundo, e o atacou. Meu tio não teve qualquer chance de defesa. Foi uma reação muito cruel, pura covardia”, disse uma sobrinha dele.

“O Luiz era muito querido na região. Ele tinha o apelido de Baiano, era um excelente mestre de obra. Mesmo aposentado, não ficava parado. Mexia com obras, com reformas de casas e pinturas. Não conseguia ficar parado, era muito ativo. Nem a doença conseguiu fazer com que ficasse quieto. Infelizmente, morreu dessa forma, depois de ser agredido por um jovem e forte, que não levou em conta o fato de estar agredindo um idoso, com a saúde fragilizada”, afirmou Aida Soares de Miranda, que disse ser amiga do aposentado há 35 anos.

Anderson Vitor dos Santos foi detido por uma equipe da Divisão de Crime Contra a Vida (DccV), da Polícia Civil, e conduzido ao Departamento de Investigação de Homicídio e Proteção à Pessoa (DIHPP), no Bairro Bonfim, na Região Noroeste da capital. Ele foi ouvido pelo delegado Adriano Mattos, da Delegacia do Barreiro, que estava no plantão, e liberado no fim da tarde. Em nota, a assessoria da Polícia Civil informou que “após análise dos elementos objetivos e subjetivos constantes nos autos, neste primeiro momento, não formou convicção quanto a eventual ocorrência na prática do crime de homicídio”, e por isso, ele não ficou detido. Ainda segundo a assessoria do órgão, serão feitas investigações para esclarecer o caso, inclusive por meio de imagens de câmeras de segurança próximo ao lote serão usadas.


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