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Estado de Minas

Maior terminal do BRT da capital abriga milhares de histórias que se cruzam a cada dia

Durante um dia e uma noite, o EM registrou a diversidade na Estação São Gabriel


postado em 04/03/2015 06:00 / atualizado em 04/03/2015 07:27

Desde as primeiras horas da manhã, corre-corre de passageiros dá a tônica em escadas e plataformas...(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)
Desde as primeiras horas da manhã, corre-corre de passageiros dá a tônica em escadas e plataformas... (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)

O movimento dos ônibus atesta o ponto de chegadas e partidas. Mas não é só. Estações do BRT/Move, como a São Gabriel, mais do que uma estrutura de transporte público abrigam um mundo de histórias. No bairro da Região Nordeste de Belo Horizonte, o maior terminal do sistema é vivo e, ao longo de 24 horas, ganha diferentes feições, com os quase 70 mil passageiros que circulam por lá diariamente. O Estado de Minas acompanhou esse vai e vem: um dia e uma noite na estação que desde 8 de março é ponto obrigatório para quem usa coletivos na capital. Como bem escreveu Milton Nascimento em Encontros e Despedidas, a plataforma é a vida daquele lugar.

O dia começa cedo para quem às 6h já está na estação – de onde partem a cada dia 37 linhas municipais – pronto para ir ao trabalho, à escola ou a outro compromisso nas primeiras horas. Nas catracas, nas escadas, nas plataformas, nos ônibus que partem, muita gente com o passo apressado se ajeita. Mas, em meio ao frenesi, há espaço para o afeto. As amigas Daniele Sarah Oliveira e Isabela Maria de Matos, ambas de 15 anos, não se encontravam desde dezembro do ano passado. Ao passar pela catraca, se abraçam para matar a saudade. Na mochila, o material escolar e no fone de ouvido as músicas prediletas. As duas são vizinhos de bairro, mas todos os dias pegam o BRT/Move para estudar. “Meu bairro não tem escola de ensino médio”, conta Daniele. Mesmo acordando bem cedo, a jovem encontra tempo para se maquiar e garante que passar o delineador, o pó, sombra e batom não leva mais que 10 minutos.

...que não param quando cai a noite, embora o ritmo e o perfil de seus usuários pareça se modificar(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)
...que não param quando cai a noite, embora o ritmo e o perfil de seus usuários pareça se modificar (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)

Com tantos rostos diferentes há quem se destaque, como o aposentado João Capistrano Rosa, de 75. Na bolsa debaixo do braço, leva o amigo fiel de todas as horas. Billy não se assusta com tanta gente que passa – vestido de verde-amarelo, o pinscher transportado a tiracolo nem late. Talvez por isso embarque sem problemas. Morador do Bairro Nazaré, usa o Move para ir ao Centro, onde vende laranjas. Com seu fiel escudeiro, já é conhecido de outros passageiros. Antes de seguir viagem, João costuma protestar diante dos que não embarcam mesmo quando ainda há espaço no coletivo. “O ônibus vai vazio. É um monte de menino novo, que não dá lugar nem se a pessoa tiver 200 anos. Ninguém pode obrigar ninguém a entrar, mas o ônibus não é para 45 pessoas em pé e 45 sentadas? Falta uma mente boa. São só 15 minutos, é direto. A pessoa segura e já apeou.”

Movimento frenético de cada dia não impede encontros e sonhos pelos corredores(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)
Movimento frenético de cada dia não impede encontros e sonhos pelos corredores (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)

Mas alguns têm mais dificuldade entre o subir e o “apear”. Entre os milhares de passageiros, há quem dependa dos elevadores para chegar às plataformas, como a aposentada Maria Rita Santos Vieira, de 56, que anda com auxílio de muletas. Preço das duas próteses no fêmur, depois de sessões de radioterapia e de uma osteoporose. Com ajuda do marido Sílvio Antônio Vieira, de 59, ela passa pela estação lembrando quando tudo começou: o romance iniciado quando a mãe dela a deixou ir à missa em Rubim, no Vale do Jequitinhonha. “Nós nos conhecemos em uma pracinha, depois da igreja. Foi complicado, pois minha mãe não aceitava.” Ela tinha 12 anos e ele, 14. Dificuldades superadas, o destino os levou até São Gabriel. O destino e a promessa de que, da adolescência em diante, iriam sustentar um ao outro vida afora.

Como os deles, os milhares de rostos, tipos e histórias fazem da estação meio de locomoção e ponto de diversidade. Se de manhã as pessoas estão apressadas, à noite o tempo parece passar mais devagar. Embora o movimento não cesse, o frenesi se reduz. É o tempo de gente como o pintor Elenilson de Oliveira Novais, de 21. Terno cinza abotoado, camisa branca e gravata vermelha compõem o visual para visitar pela primeira vez a igreja no Bairro Paulo VI. Como mora em Contagem atravessou a capital para ir à Estação São Gabriel, de onde seguiria para seu destino.

João Capistrano carrega o amigo Billy na bolsa: personagens já conhecidos(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)
João Capistrano carrega o amigo Billy na bolsa: personagens já conhecidos (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)

EXPECTATIVAS E DECEPÇÕES

Principalmente a essa hora, na falta de lojas ou lanchonetes, vendedores ambulantes são a salvação para quem tem fome. Desde que chegou, às 20h, Jobi Ferreira do Nascimento contabilizou a venda de 60 pacotes de salgadinhos. Diz não se preocupar com a fiscalização. “Tenho contas para pagar. Hoje vendi tudo, graças a Deus”, afirma. Já são quase 22h quando chega a atendente Cristiane Nascimento, de 29. É um dia diferente. O uniforme de trabalho está guardado na bolsa. Sapato de salto, blusa de seda estampada e uma briga com o marido – tudo para assistir ao filme 50 Tons de Cinza com as amigas. De volta da sessão, não parece certa de que a empreitada valeu a pena. “Esperava mais. Como li os três livros, queria mais detalhes. O filme só traz a história de um dos livros.” Resta esperar pelo ônibus.

Mas nem só de idas e vindas, expectativas e decepções se faz o cotidiano do maior terminal do BRT. No fim do dia, um susto: uma funcionária da Transfácil, de 23 anos, é socorrida às pressas pelos atendentes do Samu. Diante da suspeita de um AVC, o serviço foi solicitado pela Guarda Municipal, passados mais de 30 minutos dos primeiros sintomas. Tanto seguranças como guardas se queixam de que o supervisor da estação postergou o pedido de ajuda. Depois de um primeiro atendimento, a jovem caminha até a ambulância e segue até o hospital. Mais uma partida, esta fora da rotina, que como tantas outras deixa nos que ficaram a curiosidade sobre tantos destinos que partem de São Gabriel.

SONHOS Barulho de ônibus chegando e sando compõe a sonoridade da estação. É preciso tempo para apurar os ouvidos para sons mais sutis, como o dos passos. Mais tempo ainda para perceber o que vai pela mente de quem passa pela estação ou trabalha por lá.

Enquanto libera a passagem para quem vai aos sanitários, o pensamento da controladora de acesso Maria Araujo, de 47, viaja longe. Mais precisamente até os dois filhos. Liniquer, de 28, é gerente de restaurante em Guarapari, no Espírito Santo. Wadson, de 24, joga de zagueiro no Grêmio de Anápolis, em Goiás. “Um empresário o tirou do caminho. Levou o Wadson duas vezes para Alemanha e uma para a Polônia. Ele jogava na base do Cruzeiro. Lá fora, não conseguiu negociar o passe”, diz, sobre o mais novo. Divorciada há 18 anos, ela se orgulha de ter educado os meninos com seu trabalho. “Não sonho com muito, sonho com o necessário. Se fosse preciso fazer tudo de novo, eu faria.” Nas 12 horas que passa sentada em frente aos banheiros da estação, ela não tira o sorriso do rosto. É atenciosa com todos e confessa que facilita a vida de quem está apertado diante da fila para comprar ficha.

Confissões, aliás, estão espalhadas pela estação, mas só pra quem tem tempo e ouvidos para ouvir. No mezanino, Isaac Victor de Oliveira, de 15, e Arthur Henrique Maciel, de 13, suspiram e falam, em tom de segredo, o que os corações adolescentes mal conseguem esconder. O motivo da alegria foi a visão de Cindy Ellen, de 15. Embora morem no mesmo bairro, eles só se encontram na Estação São Gabriel. Quando ela volta do colégio, eles estão indo. “Todo dia a gente espera. Ela é linda demais”, diz Arthur. A dupla ganha o dia quando passa pela garota pelas escadas e recebe um “Oi”.

Também sonhadora, a estudante Jeane Martins, de 17, pensa em trocar as plataformas da estação pelas passarelas. De fato, ela chama a atenção pelo porte e pelas roupas. Ela revela que já fez testes em uma agência de modelos, foi aprovada, mas não teve dinheiro para o sonho. “O custo era muito alto e, na época, eu trabalhava como menor aprendiz. Não tinha como pagar.” Por enquanto, desfila seu 1,71 metro, esguia, para pegar o Move e encontrar o namorado, Joaquim Gabriel, de 18. Mais um destino dos quase 70 mil que seguem seu caminho graças às encruzilhadas da maior estação do BRT da capital.

 

 

 

 

 

 


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