(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas À ESPERA DE UM LAR

Promotor incentiva reaproximação de crianças abrigadas com família

Trabalho de promotor da Infância e Juventude de Uberlândia devolve aos lares crianças que foram abrigadas e incentiva entendimento de que retirada da família só deve ocorrer como última alternativa


postado em 25/12/2014 06:00 / atualizado em 25/12/2014 07:27

(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Uberlândia – Onde acaba a cidade de 438 mil habitantes e desponta o verde vive Rodrigo, de 8 anos, com a mãe e o padrasto. Ao perceber a chegada de um carro, o menino abre o portão do sítio e se desdobra em sorrisos ao reencontrar o promotor de Justiça Jadir Cirqueira de Souza, da Vara da Infância e da Juventude de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Como passarinho que é solto da gaiola e descobre o mundo, o garoto, que viveu por dois anos em um abrigo para menores depois de denúncia de que era vítima de maus-tratos por parte da mãe – infundada, segundo ela –, o representante do Ministério Público conseguiu a liberdade do menor, por achar que lugar de criança é com a família e que o abrigamento só deve ser a solução depois de esgotadas todas as possibilidade de proteção junto aos parentes. E assim ele fez também com outras 178 crianças e adolescentes nos últimos três anos, muitos retirados dos pais por determinação da Justiça, a maioria por causa da dependência química dos adultos. Hoje, dos sete abrigos existentes da cidade restam cinco, com apenas 40 menores acolhidos, com idades de zero a 17 anos.


O promotor conta que antes de desenvolver o seu trabalho estudou o tema, ao perceber que havia uma facilidade tremenda de abrigar crianças e adolescentes em qualquer situação mais ou menos grave, inclusive devido à pobreza. “Então, adotamos aqui em Uberlândia alguns requisitos que estão na lei para que as pessoas pudessem abrigar crianças e adolescentes”, disse.


Primeiro, o Conselho Tutelar deve provar à Justiça que esgotou todas as possibilidades de ação. No caso do pai que espanca o filho, o adulto deve ser preso e a criança não precisaria necessariamente ser abrigada, a menos que não tenha ninguém que possa cuidar dela. “Se tiver um parente, mesmo que distante, ele fica com o familiar em vez de ir para o abrigo”, reforça.


O segundo passo, segundo ele, foi a adoção de medidas cíveis, se não fossem possíveis as criminais. “Ainda que a gente não conseguisse a prisão do pai por maus-tratos, poderíamos entrar com uma ação para afastá-lo do lar, com multa e fiscalização policial. Se isso fosse suficiente, não seria preciso retirar a criança da família, mas sim o agressor”, explica Jadir.


A terceira medida foi investir em ações de proteção da prórpia família. “A gente não pode abrigar uma criança sem esgotar as medidas de proteção, como o atendimento ao dependente químico, a internação e o tratamento ambulatorial, por exemplo, e colocação da criança em uma escola em tempo integral. São medidas que podem ser adotadas. Se não reabilitar a família, não diminui o risco que o filho está vivendo. Se a criança fica na escola em tempo integral, os pais podem trabalhar, curar o vício da droga, da bebedeira, evitando o abrigamento”, disse Jadir.


Hoje, o acolhimento institucional de emergência é feito apenas em último caso sem a prévia determinação do juiz da Infância e da Juventude. Mas há prazo de 24 horas para investigar. Em alguns casos, quando constata que o abrigamento foi indevido, o Ministério Público determina ao Conselho Tutelar o desacolhimento institucional. “Em muitos casos, apuramos que aquela criança tinha uma família regular, que vivia tranquilamente”, disse Jadir.


Jadir Cirqueira de Souza promoveu 10 cursos em Uberlândia para capacitar dirigentes de abrigos e suas equipes técnicas, assistentes sociais da prefeitura, conselheiros tutelares, trabalhadores do setor de sáude e da imprensa, setores da Vara da Infância e da Juventude e até dentro do próprio Ministério Público, da Polícia Militar e de outras instituições, para que todos percebessem a dramaticidade e importância da situação.

Desavenças familiares, sofrimento e retorno
A mãe do menino Rodrigo, que passou dois anos no abrigo, nega a suspeita de maus-tratos e acusa uma irmã de denunciá-la injustamente, “por inveja, por ter não poder ter filho”. “Ela e o marido queriam o meu menino para eles. Sempre tive muito carinho por ele, levava e buscava na escola todos os dias. Mentiram para a juíza”, alega a dona de casa Vânia Célia de Moura, de 46 anos.
Em 2012, graças à intervenção do Ministério Público, o garoto voltou para casa. “Ele voltou muito triste do abrigo, mas hoje nem se lembra mais de lá. Agora, tem a cama dele e passa o dia brincando”, conta a mãe. E espaço é o que não falta para o menino correr.

A mãe diz ter sofrido muito longe do filho. “Hoje, sinto falta dele até quando está na escola. Sinto a casa vazia”, disse. Toda vez que o visitava no abrigo, Vânia conta que sofria com o filho implorando para voltar para casa, dizendo que a instituição era ruim.

Por ter uma pequena dificuldade na fala, o garoto era discriminado pelos colegas do abrigo e sofria agressões, segundo conta ele próprio. “Eu sentia muita falta da minha mãe e chorava. Quando tinha saudade, escrevia uma carta. Gosto da minha casa e gosto muito que ela me ame”, conta o garoto.
Em uma das visitas do promotor à casa de Rodrigo, a felicidade do garoto se multiplicou quando ele percebeu que no carro também estava a psicóloga Thaís Ferreira Tavares, do Programa Família Acolhedora, que o acompanhava no antigo abrigo. Ele quis logo mostrar a ela os seus brinquedos, o balanço, e a arrastou pela mão por todos os cantos do pomar, para mostrar suas frutas preferidas. “Gosto de manga, abacate, acerola e pequi”, disse.

Por recomendação médica, a criança pratica equoterapia há três anos e fala do seu fascínio pelos cavalos. “Sou mais feliz aqui. Já tenho muitos amigos na escola e eles brincam comigo e não me batem. Minha professora gosta muito de mim, também”, contou o garoto, que chama o padrasto, Sebastião Zeferino Ferreira, de 70, de pai.

Regras, mas com amor
Quem também não esconde a felicidade de voltar a morar com a família é Steffani do Nascimento, de 17. A mãe era usuária de drogas e, depois de três anos no abrigo, ela foi morar com o pai, que a aceitou depois de um exame de DNA, a madrasta e quatro novos irmãos. O pai é rígido na educação familiar e a adolescente aprendeu a aceitar as regras, que incluem castigo, quando preciso. Os outros dois irmãos por parte da mãe, que também eram abrigados, foram morar com uma tia. Morena, alta e com brilho nos olhos e no sorriso, Steffani sonha em ser modelo. “Sou apaixonada por fotografia”, comenta a adolescente, que cursa o segundo ano do ensino médio.


Steffani recebe o abraço da psicóloga Thaís: tristeza e revolta ficaram no passado(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Steffani recebe o abraço da psicóloga Thaís: tristeza e revolta ficaram no passado (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Steffani diz não ter boas lembranças da casa da mãe, onde vivia com os irmãos. “Meu padrasto bebia toda sexta-feira e batia nos meus irmãos e na minha mãe. Os vizinhos começaram a denunciar e eu e meus irmãos fomos parar no abrigo, onde passamos três anos”, disse. “A vida aqui fora é bem mais legal, com a família e os amigos, com quem posso sair e me divertir. Lá, eu tinha horário para tudo, para dormir, acordar e fazer as coisas. Se eu saísse, tinha que ter um adulto responsável para me levar de volta na hora marcada”, disse.

Em três anos, a garota visitou os outros dois irmãos uma vez. “O amor da família faz falta. Estou me acostumando a viver com minha família de novo. Sou feliz, me empenho no estudo, e o futuro vai ser o que Deus quiser. Estudo é tudo na vida”, reconhece.

Por muitas vezes no abrigo, a garota conta que se sentia sozinha no mundo, que ninguém a amava, e diz que isso causava revolta. “Pensei algumas vezes: vou fugir, vou embora, ninguém me ama, não vou viver mais aqui. Ao mesmo tempo, pensava: vou fazer 18 anos e vou para a rua. E aí, vou para onde? Era uma incerteza grande”, disse Steffani, que já está namorando, mas sob os olhares rígidos do pai, o jardineiro Wellington da Silva, de 41. “Ganhei mais uma filha. Minha família está completa”, disse.

Ele conta que a adolescente chegou agressiva do abrigo, “meio custosa”, mas ele logo deixou claro que as regras que eram seguidas pelos outros filhos valeriam para ela também. “Agora, por exemplo, ela está de castigo e vai ficar alguns dias sem sair de casa, por me desobedecer. Só sai para a escola”, disse o jardineiro, que procura saber até quem são os pais das companhias da filha. “Se ela chegar com uma blusa diferente, quero saber quem foi que a deu. Sou rigoroso, mas pelo bem dela”, disse o pai.

MUDANÇA A psicóloga Thaís conta que Steffani era uma menina triste e revoltada por não se sentir amada ou por não conviver em família. “Ela desacreditava muito no futuro. Uma adolescente muito bonita e inteligente. Hoje, vejo brilho no seu olhar, ela se sentindo amada e protegida pela madrasta e pelo pai, em total felicidade”, avaliou.

Por mais que tentasse promover a jovem na instituição, por meio de um emprego do programa Jovem Aprendiz, e reforçar a importância do estudo, a revolta interiorizada pela falta de carinho e atenção por parte da família não deixava a jovem progredir, contou Thaís. “Falta autoestima e muitas vezes os jovens não abraçam essas oportunidades. Outros fatores influenciam e muitos saem da instituição despreparados, sem perspectiva. Muitas vezes, optam por um outro caminho, infelizmente do tráfico de drogas e da violência. Devolvem o que foi plantado. A falta de carinho e do amor é refletida no comportamento”, observa a psicóloga.

 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)