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Estado de Minas

Ansiedade e depressão fazem parte do cotidiano das crianças que vivem em abrigos

Garoto ingeriu cápsulas de medicamento controlado para aliviar a tristeza e foi encontrado quase desmaiado pela coordenadora do abrigo


postado em 21/12/2014 00:12 / atualizado em 21/12/2014 07:40

Com uma flor, José expressa seu afeto por Selma Silva, diretora da casa de acolhimento onde ele mora, na região da Pampulha(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Com uma flor, José expressa seu afeto por Selma Silva, diretora da casa de acolhimento onde ele mora, na região da Pampulha (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
A casa da região da Pampulha está em polvorosa. As paredes coloridas de amarelo, luminosas, tentam disfarçar a tristeza que tomou conta dos 15 moradores, crianças e adolescentes de 7 a 12 anos. Na véspera, um deles havia ingerido cápsulas do medicamento controlado usado por um coleguinha, que necessita deles para controlar a ansiedade e a depressão precoce por ter sido abandonado e maltratado pelos pais. Essa é a realidade da maior parte dos garotos e garotas que vivem nos abrigos de BH, sofrendo dupla rejeição. Também não foram aceitos nas listas de adoção nacional e internacional, seja pela idade, por problemas de saúde ou pelo vínculo forte com os irmãos.


Os orfanatos deixaram de ser gigantescos. Para ficar mais parecidos com um lar, as casas estão reduzidas ao limite de 15 crianças, separadas por faixas etárias, como bebês, crianças até 6 anos, de 7 a 12 anos e de 12 até os 18 anos. Não há interesse da Prefeitura de BH em manter as crianças no acolhimento. Cada adolescente no abrigo custa R$ 2.240 mensais, repassados dos cofres municipais para as instituições conveniadas. Já os bebês custam R$ 2,9 mil por mês.

Voltando ao caso, o garoto que tomou os remédios controlados foi encontrado quase desmaiado pela coordenadora do abrigo, Selma Silva Soares, sendo socorrido imediatamente pela ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Ele nem precisou ficar internado, pois confessou ter ingerido uma ou duas das cápsulas para aliviar a tristeza. Dormiu dois dias inteiros. Neste e nos outros abrigos, os internos são olhados por educadores, assistente social e técnicos, que se revezam 24 horas.

COTIDIANO DIFÍCIL O triste episódio deixou visivelmente desorientada a coordenadora do abrigo. No dia seguinte, Selma mandou instalar fechaduras e cadeados em todos os armários da instituição de acolhimento. “Nosso cotidiano é assim. Os meninos têm momentos de revolta, mas também momentos de afeto”, conta. Como se pudesse ouvir atrás das paredes, o interno José* (nome fictício) bate à porta e pede licença para entrar.

Nas mãos, José traz uma rosa branca colhida no jardim, que oferece à coordenadora sem dizer nada. José é tímido. Selma se emociona e abraça o menino, demoradamente. Escondida do garoto, vai às lágrimas. “José é pequeno para saber que, de acordo com a doutrina espírita, a rosa branca simboliza renovação de energia. Era tudo o que eu precisava hoje para dar continuidade ao trabalho. Às vezes, bate o desânimo”, desabafa a mulher, que imediatamente passa a contar a história do garoto José, que é de cortar o coração.

Aos 7 anos, ele foi para o primeiro abrigo. Agora, aos 12 anos, está deixando de comer e de dormir com a proximidade do Natal, como forma de sensibilizar uma prima a tomar a decisão de adotá-lo. Embora seja jovem, ela é a única parente que restou da família dele, após a morte da mãe. Os seis irmãos já estão adotados. José chegou a ser acolhido em uma família com o irmão caçula, mas abriu mão da adoção para um futuro melhor para o irmão. “Eu vi que não ia dar para nós dois, que eu estava ocupando o espaço dele”, conta o menino, com simplicidade. Ele calcula que o irmão, de quem nunca mais teve notícias, deve estar agora com cinco ou seis anos.


TRÊS PERGUNTAS PARA...
. Marcos Padula
. Juiz titular da Vara da Infância e da Juventude de BH

Por que ainda existem tantas crianças nos abrigos?
A nova Lei da Adoção modificou a nomenclatura do abrigo para acolhimento institucional, mas a medida continua sendo aplicada apenas em caráter excepcional, quando a família não adere aos programas estruturais de auxílio. Infelizmente, o abrigo não consegue dar o retorno afetivo às crianças. Algumas enfrentam melhor a situação, mas as mais sensíveis desenvolvem quadros de agressividade ou depressão.

Qual foi a principal mudança da nova lei?
A nova lei também diferenciou o acolhimento institucional do familiar, em que uma família recebe a criança provisoriamente até que se defina sua situação. Infelizmente, esse programa ainda não decolou, pois depende de regulamentação na Câmara uma ajuda de custo para a família substituta ou guardiã. O fato é que 98% das crianças estão acolhidas em instituições e não em famílias acolhedoras.
 
Há esperança para as crianças acolhidas?
Os brasileiros já têm adotado crianças de até 6, 7 anos de idade. Houve uma melhora em relação há 10 anos, quando a preferência era para crianças entre 3 e 4 anos. Se a criança ultrapassar os 9 anos, dificilmente será adotada, a não ser que um padrinho ou madrinha se afeiçoe a ela, mas é uma exceção. Pelo menos o apadrinhamento de Natal e ano-novo é de quase 100%. Faltam crianças para tanta gente interessada.


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