(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas RODOVIA DA MORTE

Excesso de bagagem e medo são companheiros de viagem na BR- 381

Quem viaja no demorado trecho entre BH e o Vale do Jequitinhonha aproveita para fazer compras na capital


postado em 28/09/2014 06:00 / atualizado em 28/09/2014 07:23

Mateus Parreiras
Enviado especial


A viagem mais longa, às 21 horas sai o ônibus para Salto da Divisa da a plataforma de embarque do terminal Rodoviário Governador Israel Pinheiro (Tergip), em Belo Horizonte(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
A viagem mais longa, às 21 horas sai o ônibus para Salto da Divisa da a plataforma de embarque do terminal Rodoviário Governador Israel Pinheiro (Tergip), em Belo Horizonte (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Salto da Divisa – Uma vez por dia, às 21h, a plataforma de embarque “B” do terminal Rodoviário Governador Israel Pinheiro (Tergip), em Belo Horizonte, é tomada por passageiros que trazem cargas de todos os tamanhos: sacolas estufadas nas mãos, caixas de papelão atadas por cordas nos ombros e trouxas de tecido colorido puxadas nas costas. O grande volume de bagagem é a primeira coisa que chama a atenção de quem faz a viagem mais longa de ônibus dentro de Minas Gerais, da capital mineira a Salto da Divisa, no Vale do Jequitinhonha. “É que as pessoas que viajam nessa linha geralmente vêm a BH para fazer compras. Na volta, trazem muitos volumes. É bagagem demais”, observa o cobrador da Viação Gontijo, Joilson Pereira de Oliveira, de 25 anos. A empresa é a única a fazer o percurso de 865 quilômetros, que leva cerca de 16 horas, chegando ao destino por volta das 13h do dia seguinte.

Como as bagagens precisam ser acomodadas, o embarque é feito aos poucos. Idosos tomam os assentos mais à frente, perto da entrada do ônibus, mães procuram aconchegar as crianças nas poltronas com travesseiros e cobertores que trouxeram. Poucos conversam entre si, ainda preocupados em se instalar. O ônibus enfim parte e dá para saber que se deixou a rodoviária quando o eco dos motores no subsolo do edifício de concreto dá lugar ao barulho do trânsito da cidade. Em poucos minutos, o motorista apaga a luz interna. No escuro, muita gente estica as poltronas. Passageiros que tinham gente ao seu lado saem para assentos vazios. Uma senhora que estava ao lado de uma mãe com o filho pequeno cede seu lugar para que a criança não fique no colo e possa descansar na poltrona.

São pouco mais de duas horas pela BR-381, a campeã de acidentes em Minas Gerais, até a cidade de João Monlevade, no trecho conhecido como Rodovia da Morte. Na escuridão, os faróis e o ruído dos carros e carretas passando na pista contrária, bem perto das janelas do ônibus, deixam algumas pessoas inquietas. “Devia ter comprado uma passagem do lado do acostamento. Os acidentes mais feios são deste lado (voltado para o sentido oposto da estrada)”, uma mulher sussurrou no escuro para seu acompanhante.

MEDO DE LADRÕES
A BR-381 só é deixada para trás em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, 320 quilômetros depois do início da jornada. Mas antes da parada, o cobrador recomenda que as pessoas tenham cuidado com seus pertences, relatando casos de furtos. “O passageiro desce na parada e deixa sua mochila para trás com notebook, tablet ou outra coisa de valor. Quando descobre que foi roubado, o ladrão já até desceu”, recomendou a um ou outro passageiro. Com o aviso, muita gente que ia descer em Governador Valadares para ir ao banheiro o fez desconfiado, com a mochila nas costas.

O raiar do sol se dá já na BR-116, entre o grande movimento de carretas do eixo Nordeste/Sudeste, antes de Itaobim, já no Vale do Jequitinhonha. Aos poucos, os passageiros vão despertando. Esfregam os olhos e abrem as cortinas para ver melhor a estrada. O advogado João Pinto, de 50 anos, bebe um pouco de água de uma garrafa e a passa para a mulher, a contadora Luciana Gomes, de 41, que bebe o restante. Ele a acompanhava a um serviço em Almenara e achou a viagem bem longa. “Mas não há outra forma de fazer esse percurso, apenas de ônibus ou de carro. Por isso, tem de enfrentar o asfalto de um dia para o outro. Mas, para mim, está sendo um passeio”, disse.

Na frente do casal, despertou o garoto Vinícios Ribeiro, de 3 anos, que dormia ao lado da mãe, a enfermeira Juliana Ribeiro, de 30. O garotinho fica de pé na poltrona e olha para trás para ver os demais passageiros. Luciana brinca com o menino e logo quem vai acordando começa a mexer com a criança, fazer caretas, dar tchauzinho. O menino ri e se transforma numa atração dentro do ônibus. Amigável, passa seu boné do homem-aranha para Luciana. Oferece uma mamadeira para as pessoas que passam pelo corredor, indo ao banheiro ou buscando pertences na bagagem que ficou nos compartimentos de cima. “Pode beber. Eu dou”, garante. Perguntado, conta a história da sua viagem: “Vou para a casa da minha vovó (em Almenara). Tem muito tempo que não vejo ela e gosto dela muito”, diz.

Em Almenara, a maioria dos passageiros desembarca. Vão aliviados por não precisar seguir mais 100 quilômetros no pior trecho da linha. Na viagem de volta, de Salto da Divisa a Belo Horizonte, a chegada a Almenara não significa tanto alívio. A rodoviária antiga e mal cuidada da cidade parece um criatório de pernilongos. À tardinha, os passageiros são impiedosamente picados enquanto esperam para embarcar. E quando o fazem, as nuvens de insetos os acompanham e permanecem a picá-los até a chegada à capital mineira.




Em busca do tempo perdido

Quando deixou Salto da Divisa há quase 40 anos para trabalhar como motorista em Belo Horizonte, o aposentado Louzinho Floriano, de 68 anos, não viu o tempo passar. Enquanto se esforçava diariamente atrás de um volante para servir a uma família do Vale do Jequitinhonha que vivia na capital, deixou de ir muitas vezes à sua região. “A passagem era cara, a viagem, ainda mais difícil. Era quase tudo terra e na chuva os ônibus até atolavam”, lembra. Mas esse distanciamento custou caro. O homem, que calcula ter “mais de 350 parentes espalhados pelo Vale”, desta vez voltou de Salto da Divisa triste, com ainda mais saudades. “Não encontrei quase ninguém. Fiquei na casa de dois amigos, mas meus familiares mesmo não vi nenhum. Em BH, só uma irmã me liga a cada cinco meses”, lamenta.

Um dos momentos em que aproveitou para relembrar o passado foi durante uma conversa com o também motorista Rodiney e o condutor do ônibus, Anagildo de Oliveira, de 52. “Essa viagem sempre foi muito difícil, mas o povo do Vale do Jequitinhonha é muito solidário. As pessoas se ajudavam quando tinham algum problema. De dividir até a comida se precisar. Foi um tempo que o ônibus quebrava e você passava o dia no meio da estrada, mas estava entre amigos”, lembra Louzinho. “A gente vê que esses passageiros têm uma grande ligação mesmo”, conclui.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)