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Estado de Minas

Programa Luz para Todos frustra população de cidade no Norte de Minas

Distribuição de painéis de captação de energia solar cria a ilusão de proximidade com o conforto, mas falta de manutenção e manuseio incorreto das placas inviabilizam projeto


postado em 03/05/2014 00:12 / atualizado em 03/05/2014 14:21

Luiz Ribeiro
Enviado especial


Dorivaldo Ribeiro e a mulher, Altamira Alves, trocaram São Paulo pela Ilha do Cearense, mas o fracasso do projeto de energia solar frustrou os planos do casal(foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
Dorivaldo Ribeiro e a mulher, Altamira Alves, trocaram São Paulo pela Ilha do Cearense, mas o fracasso do projeto de energia solar frustrou os planos do casal (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)

São Francisco, Pedras de Maria da Cruz e Manga – Para quem sempre viveu no escuro, a chegada da luz elétrica é a realização de um sonho. Moradores das ilhas do Rio São Francisco, em Minas, acreditaram que teriam uma mudança completa de vida com os equipamentos de captação de energia solar que passaram a ser instalados ao lado de suas casas, dentro do Programa Luz para Todos, iniciativa do governo federal em parceria com a Cemig. Entre os anos de 2006 e 2008, foram cadastradas 741 famílias em 31 ilhas para o recebimento dos painéis, que deveriam gerar energia suficiente para a iluminação e para ligar uma televisão ou um aparelho de som. Mas, o que seria um salto na qualidade de vida virou dor de cabeça para muitos moradores. Ao visitar as ilhas, o Estado de Minas verificou que grande parte das famílias, mesmo com os painéis instalados, continua no escuro, porque os equipamentos pararam de funcionar por falta de manutenção, por manuseio incorreto ou porque foram danificados pelas enchentes. Há ainda casos de roubo dos aparelhos.

 


Dorivaldo Gomes Ribeiro, de 64 anos, morava em São Paulo. Lá trabalhava como pintor de automóveis. Em 2007, fez uma viagem a São Francisco (Norte de Minas) para visitar parentes da mulher, Altamira Alves Figueiredo, de 60. Resolveu adquirir os “direitos” para a ocupação de uma faixa de terras na Ilha do Cearense por R$ 16 mil. Como ele conta, além do encanto com o Velho Chico, o que mais o seduziu foi o projeto de energia solar que estava sendo instalado nas ilhas. Imaginou que, com o projeto, iria trocar a correria e o estresse do trânsito da capital paulista pela vida tranquila na ilha, no meio do São Francisco, com garantia de conforto.

Dorivaldo e a mulher se mudaram de mala e cuia. Empolgado, o ex-pintor de autos planejou o plantio de pequenas lavouras e algo mais ousado: a produção de cachaça artesanal. Mas, a alegria durou pouco. O painel de energia solar funcionou somente por três anos e meio. “A bateria descarregou de vez. O que era sonho virou pesadelo”, afirma o ex-pintor de automóveis. A vida dele mudou para pior. Durante 42 anos, morou em São Paulo em contato com todas os recursos da tecnologia. Na ilha, a falta de energia elétrica se soma a outros aspectos “primitivos” com os quais Dorivaldo não estava acostumado, como a falta de saneamento básico e as más condições da moradia, de paredes de pau a pique.

O que mais o incomoda é o isolamento. “A gente vive aqui como se estivesse num deserto.” Dorivaldo expõe o maior medo: ficar doente, pois para chegar a um médico ou a um hospital é preciso navegar 20 quilômetros rio acima até a cidade. A viagem dura duas horas em um barco “rabeta” (movido por um pequeno motor). Outro receio é o de ficar sem ver jogos da Copa por falta de energia elétrica.

Também morador da Ilha do Cearense, o aposentado Hélio Augusto do Nascimento revela que o equipamento de luz solar instalado na casa dele funcionou por apenas três meses. A falta da luz não foi tão sentida por ele porque passou a vida inteira iluminado por lamparina. A mudança que experimentou foi a compra de uma pequena TV, que vendeu ao perceber que não teria utilidade sem energia.

PAINÉIS FURTADOS Na Ilha dos Balaieiros, no município de Pedras de Maria da Cruz, os agricultores Sinvaldo Teixeira do Amaral e Joselito da Silva também estão no escuro. Eles contam que receberam os painéis de energia solar, mas só puderam acender lâmpadas por cerca de oito meses. “Um dia chegaram uns homens. Disseram que eram da Cemig e levaram as placas (de energia solar)”, conta Sinvaldo, que, somente depois da partida dos estranhos, percebeu que tinha sido roubado. “A gente usa lamparina, mas ela ilumina pouco”, diz Joselito, que mora em casa parede de vara com enchimento de barro.

Morador da Ilha da Capivara – no mesmo município –, Valdeci Ferreira da Silva conta que os painéis de sua casa ficaram vários meses sem função, até ele trocar as baterias. A família usa a energia em lâmpadas e para ligar a TV. “Mas a luz dura pouco. É só chegar oito horas da noite e ela acaba.” Os problemas se repetem na Ilha da Ingazeira, no município de Manga, uma das mais povoadas do São Francisco e que abriga descendentes de escravos. O presidente da Associação dos Remanescentes Quilombolas da Ingazeira, Celino Leris de Oliveira, diz que das atuais 32 famílias da ilha, um número pequeno, pouco mais de 10, mantém os painéis de luz solar em operação.

“Os equipamentos não têm manutenção e a maioria parou de funcionar. O pessoal pagava R$ 18 de luz por mês, mas parou de pagar, pois não estava recebendo energia em casa”, disse Celino, que reivindica a chegada de uma rede de energia elétrica convencional à ilha. “Já vieram aqui e verificam até os lugares onde podem ser fincados os postes. A ilha tem condição para isso”, argumenta o líder comunitário.

Cemig culpa a enchente


A Cemig informou que os painéis de energia solar nas ilhas do São Francisco foram instalados por meio do Programa Luz para Todos, depois do cadastramento dos moradores, sendo atendidas 741 famílias em 31 ilhas. Em nota, a empresa argumenta que a manutenção dos equipamentos é feita pela suas equipes de serviços de campo, “após solicitação pelos clientes”.

A companha alega que o próprio estilo de vida dos moradores das ilhas, que costumam deixar as casas durante as enchentes, dificulta a manutenção dos sistemas de energia solar. “Esclarecemos que a Cemig tem como prática atender/restabelecer o fornecimento de energia somente onde o cliente efetivamente reside, uma vez que o índice de vandalismo, em especial o furto de equipamentos, é muito grande nestes locais devido, sobretudo, à baixa taxa de ocupação, já que as moradias ficam desabitadas nos períodos chuvosos. Esclarecemos ainda que alguns equipamentos foram danificados por inundação”, diz a nota da Cemig.

A empresa informa ainda que “os moradores deverão procurar as agências de atendimento Cemig para solicitar as devidas providências, inclusive para o cancelamento de contas cobradas indevidamente”.


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