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Estado de Minas

Pacientes que saíram de coma profundo buscam apoio para retomar a vida normal

Em BH, enquanto o soldador Matozinhos se recupera depois de dois meses em coma, parentes de quem ainda não conseguiu acordar não perdem a esperança


postado em 21/04/2014 06:00 / atualizado em 21/04/2014 07:23

Rosely e Tony, pais de Rarison (foto abaixo), que conseguiram a transferência do rapaz do Amapá para Belo Horizonte, onde há melhores condições de tratamento(foto: Marcos Michelin/EM/DA Press)
Rosely e Tony, pais de Rarison (foto abaixo), que conseguiram a transferência do rapaz do Amapá para Belo Horizonte, onde há melhores condições de tratamento (foto: Marcos Michelin/EM/DA Press)


No Hospital João XXIII, o maior pronto-socorro público de Minas Gerais, calcula-se que há cerca de 40 pacientes em coma, em um estado intermediário entre a vida e a morte, ainda misterioso para a medicina. Em cada um dos três dormitórios do terceiro andar do hospital, repousam pelo menos três pessoas em coma, além de outras que já despertaram do sono profundo. Trata-se da Unidade de Cuidados Intermediários, que simboliza um degrau a mais em relação aos pacientes que já enfrentaram o isolamento da Unidade da Terapia Intensiva (UTI). É o caso, por exemplo, do soldador José do Matozinhos Simões, de 57 anos, que permaneceu quase dois meses desacordado depois de despencar de um andaime de 10 metros de altura, em um canteiro de obras de Belo Horizonte, em 21 de agosto. Está internado desde então.


Em função da queda, Matozinhos passou por diversas cirurgias para retirar parte da calota craniana a fim de, a grosso modo, dar espaço ao cérebro, inchado em função da queda. Por milagre, recuperou a memória. Só não se lembra do que ocorreu no dia do acidente. “Não”, balança a cabeça negativamente, quando perguntado se recorda detalhes do ocorrido. Os médicos acreditavam que o senhor fosse sobreviver? “Não”, torna a informar o homem, incapaz de falar por estar traqueostomizado. Mas havia algum médico que dava esperança para o senhor? “Sim”, mexe o pescoço no sentido contrário. Era uma médica? “Sim”, torna a ‘dizer’ Matozinhos, com os olhos úmidos de emoção.

(foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press/Reprodução)
(foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press/Reprodução)
Enquanto Matozinhos tenta se comunicar, o jovem da maca ao lado encontra-se em situação mais difícil. Aos 27 anos, o rapaz precisa de auxílio para tossir e respira com a ajuda de aparelhos. Está em coma desde que sofreu choque na rede elétrica, perdendo os dois braços. Na cama em frente, encontra-se o paciente psiquiátrico conhecido pelo codinome Lulu. Internado há praticamente dois anos no HPS, ele já se recuperou do coma, mas não voltou a respirar sozinho. Tornou-se o mascote do hospital, sendo querido por todos da equipe de enfermagem, de limpeza e médicos. Lulu jamais dispensa um cafuné nos cabelos.

“Fiquei traumatizada com o que aconteceu ao meu marido”, explica a mulher de Matozinhos, Leda Cristina Simões. Há exatos 30 anos, ela seria apresentada ao marido como sendo Roberto. Depois de seis meses de namoro, o rapaz confessaria o verdadeiro nome. Ela decidiu aceitar o relacionamento assim mesmo. Tampouco abandonou o marido depois do acidente. Em oito meses de internação, faltou apenas três dias na visita diária, sendo substituída no posto de observação pelas filhas Renata e Kelle Simões. “Sempre tive medo que meu pai fosse atropelado, pois vivia distraído com o fone de ouvido, escutando jogo de futebol pelo celular”, revela a caçula, que se sente culpada por presentear o pai com o aparelho de telefone.

REABILITAÇÃO
“Nossa maior preocupação é o dia em que meu marido sair daqui. Como vou cuidar dele em casa? Não posso parar de trabalhar”, desabafa a esposa de um mestre de obras, que sofreu traumatismo craniano depois de cair da escada, na obra onde trabalhava. “Ele acordou do coma, mas não consegue interpretar direito as informações. No início, estava correspondendo bem ao que o médico pedia. Conseguia apertar a mão, piscar o olho. Agora, não sabe de mais nada”, conta a mulher. Segundo ela, o quadro do marido apresentou piora depois de uma infecção.

O pós-hospitalar dos casos agudos é um dos maiores problemas atualmente no estado. “Muitos familiares imploram para manter o paciente internado no HPS”, afirma uma médica de plantão, que não quer ser identificada. Ela lembra que, ao receber alta, os casos agudos necessitam de reabilitação com fisioterapia, fonoaudiologia, alimentação especial e respiração artificial. Os gastos atingem até R$ 10 mil por mês. Segundo a profissional de saúde, algumas prefeituras, como a de BH, dispõem de programas de atenção domiciliar, mas a “peneira” é fina. “Nem sempre tem vaga e a indicação depende do grau de complexidade do paciente”, esclarece. 

Cérebro fora de sintonia


“Sempre me relaciono com os pacientes em coma como se eles estivessem o tempo inteiro conscientes”, declara o clínico geral e homeopata Elder Airon, que atua há 32 anos no HPS. Para o médico, o paciente que sofreu um traumatismo craniano ‘entende’ o que se passa ao redor, mas é incapaz de dar respostas. “Seu cérebro está fora de sintonia. Só depende da vontade desse paciente querer acordar e também da qualidade do chamado da família e dos profissionais de saúde, que estimulam o renascimento”, acredita o clínico, que percebe nuances de brilho no olhar e até no jeito de piscar dos pacientes.

“Parece que ele reage quando ouve nossa voz, mas não consegue responder. Durante o acidente de carro, o cérebro sofreu o impacto da batida e ‘desligou’. Precisa se reconectar”, revelam, angustiados, Rosely e Tony Miranda, de 48 e 47 anos. Eles são pais do modelo do Amapá Rarison Ricardo, de 25 anos, desacordado desde 16 de novembro. Ele veio para a Santa Casa de Saúde de Belo Horizonte, transferido por misericórdia do Ministério da Saúde, depois de uma batalha judicial do casal com o governo do Amapá, que já dura cinco meses.

Não existe unidade de terapia semi-intensiva no Amapá. “Nosso filho já poderia estar melhor, com sessões de fisioterapia e outros cuidados. Por enquanto, Rarison não está podendo falar, mas ele não é mudo. Estamos falando por ele”, dizem os pais, que fizeram uma sofrida campanha nas ruas do Amapá e na internet, pedindo a transferência do filho.

Belo e saudável, o modelo publicitário deu entrada no hospital pesando 86 quilos. Ficou reduzido a 56 quilos, depois de enfrentar infecções e três paradas cardíacas. “Nosso coração diz que ele sobrevive. Os médicos falam em sequelas, mas do jeito que ele sair, cuidarei dele para sempre”, prometem a mãe Rosely e o pai Tony ,que, na juventude, passou seis dias em coma depois de escapar de um acidente de moto.


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