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Estado de Minas

Livro conta a história de mineira que foi a primeira mulher na América Latina nomeada para o MP

A advogada Iracema Tavares Dias assumiu o cargo em 1935. Trajetória dela é lembrada pela instituição


postado em 08/03/2014 05:00 / atualizado em 08/03/2014 06:00

(foto: Fotos: reprodução)
(foto: Fotos: reprodução)
A primeira página do Estado de Minas de 23 de maio de 1935 tinha como manchete a chegada do presidente Getúlio Vargas (1882-1954) à capital argentina. Também no alto, em destaque, estava a notícia sobre o ato assinado no dia anterior, pelo governador Benedito Valadares (1892-1973), nomeando a advogada mineira Iracema Tavares Dias (1912-2010) promotora de Justiça da comarca de Guaranésia, na Região Sul do estado. Dizia o texto: “Mais uma victoria do feminismo (sic). Uma senhorinha nomeada promotora de justiça da comarca de Guaranésia (…) pela primeira vez no Estado, nomeada uma mulher para o cargo de promotor de justiça”. Dessa forma, Iracema se tornava a primeira promotora de Justiça não só de Minas e do país como também da América Latina, conforme está no livro recém-lançado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para homenagear 13 nomes de relevância da instituição.

Nascida na cidade fundada pelo avô, o coronel da Guarda Nacional e senador do estado Júlio Tavares – a quem coube escolher o nome Guaranésia, que, em tupi-guarani, significa “o pássaro da ilha” –, Iracema era filha de Francisco Idelfonso Dias e Gardênia Tavares Paes, ambos de famílias tradicionais e proprietárias de terras. De acordo com as pesquisas, a futura advogada, desde bem pequena, via na leitura um momento de prazer. E com a idade de seis ou sete anos brincava de discursar em casa: “Meus senhores e minhas senhoras, caldeirões e caçarolas…”

“Era uma mulher bem à frente do seu tempo e, nas décadas de 1930 e 40, ser promotora de Justiça, e acima de tudo tão jovem, era algo extraordinário, principalmente no caso da doutora Iracema, que se dedicou à área de menores”, diz o ex-procurador e professor da PUC Minas Joaquim Cabral Netto, atualmente integrante do Instituto Histórico e Geográfico e do Memorial do Ministério Público. Ele escreveu sobre alguns personagens do livro, incluindo a mineira formada em direito há 80 anos. De gerações diferentes, Joaquim Cabral conheceu Iracema quando ela já estava mais velha e pôde compreender por que “foi um exemplo de trabalho, dedicação, honradez e dignidade, além de simples e humilde”.

Foi durante o período como presidente da Confederação Nacional do Ministério Público que o ex-procurador descobriu o pioneirismo de Iracema na América Latina. “Os paulistas falavam que era uma promotora de Justiça de lá, Zuleika Sucupira Krmnwerhy, mas, pelos registros, a doutora Iracema já ocupava o cargo em Guaranésia quando Zuleika estava na faculdade de direito. Ela só foi nomeada em São Paulo em 1º de agosto de 1946”, conta Joaquim Cabral. Indo fundo na história, encontrou passagens de solidariedade na vida da mineira, que “transformava a sua casa num prolongamento do gabinete, atendendo menores e suas famílias”. No Maranhão, Maria da Conceição Amorim Mota foi nomeada em 3 de julho de 1935 e, no Rio Grande do Sul, Sophia Galamnternick, em 30 de junho de 1938.

O curso primário (hoje ensino fundamental) foi feito na cidade natal e o secundário (atual médio) no município vizinho de Muzambinho, num internato de freiras. Com 17 anos, a convite do tio padrinho que era advogado em São Paulo (SP), Iracema se mudou para a capital paulista e foi estudar direito, “pois havia percebido a dificuldade dos pais em manter a educação de nove filhos”. Formou-se aos 21 anos, em 5 de janeiro de 1934, numa época em que as mulheres eram esposas e donas de casa e não costumavam ter profissões de destaque. Ao longo da vida estudantil, seguiu o lema: “o aluno não pode ficar limitado ao que o mestre ensina. Tem que examinar tudo e verificar onde está o certo, onde está o errado e tirar sua própria conclusão”.

Iracema Tavares Dias em dois momentos: quando se formou em direito, em SP, e aos 96 anos, com o filho Antônio Nardi, em BH
Iracema Tavares Dias em dois momentos: quando se formou em direito, em SP, e aos 96 anos, com o filho Antônio Nardi, em BH
EDUCAÇÃO
Na Faculdade de Direito de São Paulo do Largo de São Francisco, teve como companheira de sala de aula a também mineira Amélia Duarte, que foi promotora de Justiça no Rio de Janeiro (RJ), e foi contemporânea de Ulysses Guimarães (1916-1992) deputado constituinte em 1946 e que, na década de 1980, se tornou conhecido como Senhor Diretas na luta pela redemocratização do país, do ministro da Justiça no governo do presidente Costa e Silva, Luís Antônio da Gama e Silva (1913-1979), responsável pela elaboração do texto do Ato Institucional nº 5 (AI-5), e personagens de importância no cenário nacional.

Depois de formada, Iracema retornou a Guaranésia, levando consigo muita teoria e nenhuma prática. Por força do destino, encontrou vago o cargo de promotor de Justiça da comarca, o qual passou ocupar depois da nomeação em 5 de maio de 1935. No início, ela considerou o trabalho muito difícil e “sempre recorria aos seus conhecimentos, aos livros e aos processos semelhantes apanhados no cartório Plínio Martins, de Guaranésia”. No depoimento para o livro do MPMG, ela contou que “aos poucos foi se familiarizando com suas funções de promotora de Justiça (…) sempre fui respeitada e nunca pressionada no exercício de minhas funções”.

Em 1937, Iracema se casou com Mário Nardi, com que teve três filhos: Mário, que se tornou promotor de Justiça e morreu em 2004, Aloysio e Antônio. O marido vinha de uma família italiana que desembarcou no país nos tempos da Primeira Guerra Mundial. Chegando a Guaranésia, os Nardis se tornaram sócios de banco, proprietários de terras (plantação de café) e se envolveram na política local.

Ao ficar viúva, em 1951, Iracema passou a se dedicar cada vez mais ao trabalho na promotoria. A morte do marido causou dificuldades financeiras, principalmente pela dificuldade de educar os filhos, já que, em Guaranésia, só havia o curso primário (ensino fundamental). Dessa forma, ela se mudou para Belo Horizonte. Quatro anos depois, foi promovida para a Curadoria de Menores, do Juizado de Menores da capital e, em 1956, se tornou curadora de menores, cargo que exerceu até se aposentar em 1967, aos 54 anos, sendo 32 deles dedicados à profissão e à instituição.

Em 2008, a pioneira recebeu a comenda Francisco José Lins do Rego Santos, do MPMG, pelos serviços prestados à comunidade. Mesmo aposentada, continuou a ajudar as pessoas carentes que a procuravam. “Com a morte de doutora Iracema, o MPMG não apenas perdeu uma de suas mais ilustres integrantes, mas aquela que abriu caminho de nossa instituição para brilhantes mulheres Brasil afora”, diz Joaquim Cabral Netto.

SAIBA MAIS

Fiscais da Lei

Os promotores de Justiça integram o Ministério Público (MP), instituição responsável pela defesa de direitos dos cidadãos e interesses da comunidade. São fiscais da lei, protetores da democracia. Para isso, o MP tem autonomia funcional, administrativa e financeira, não fazendo parte nem estando subordinado aos poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário. A emancipação proporciona independência para garantir os direitos da sociedade de acordo com a Constituição da República. Entre atribuições importantes estão ajuizar ação penal pública e exercer controle externo da atividade policial. E mais: proteger o direito a vida, trabalho, liberdade e saúde; direitos difusos e coletivos nas áreas do consumidor, meio ambiente e patrimônio público, entre outras; direitos dos idosos, portadores de necessidades especiais, crianças, adolescentes e incapazes.


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