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Estado de Minas DA SOMBRA À LUZ

Saiba como estão 10 usuários de crack acompanhados pelo EM em seis meses

A maioria ainda luta contra a droga, mas há quem comemore a superação do vício


postado em 16/12/2013 00:12 / atualizado em 16/12/2013 09:18

Guilherme Paranaiba e Sandra Kiefer

 Um ano depois de iniciar o acompanhamento por seis meses de 10 usuários de crack, rotina relatada nas páginas do Estado de Minas entre 12 e 15 de agosto, a reportagem reencontrou oito desses personagens e constatou que na guerra contra o vício as batalhas são extremamente difíceis, retratadas nos exemplos da maioria dos entrevistados. Entre tropeços e retomadas, seis pessoas ainda levam suas vidas alternando momentos de abstinência e abuso da droga,  em um mundo de trevas e sombras típico de pelo menos 1,3 milhão de brasileiros, segundo o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas referente ao ano passado. São elas o jardineiro Cleiton, o publicitário Fred, a dona de casa Dione de Deus, a diarista Vanessa, o pedreiro Marcus Vinícius e o dono de bancas de jornal Wagner. A também diarista Sandra e o agora funcionário de uma fábrica de pães Carlos, que já indicavam trilhar o caminho da recuperação depois de seis meses, continuam colhendo frutos da força de vontade dedicada para deixar o vício e conseguiram excelentes perspectivas. O porteiro Wilquer, morador das ruas da capital, não foi encontrado para falar sobre seus últimos meses e uma jovem garçonete de Ouro Preto, na Região Central do estado, desistiu de participar da série.

O designer Fred está internado em Neves e mostra fortes sinais de recuperação (foto: Marcos Michelin/EM DA Press)
O designer Fred está internado em Neves e mostra fortes sinais de recuperação (foto: Marcos Michelin/EM DA Press)
FRED O designer gráfico Frederico, de 33 anos, o Fred, foi encontrado pela primeira vez fumando crack em Belo Horizonte e, sem constrangimentos, revelou momentos de sua vida enquanto “fritava” o cachimbo. No último contato, Frederico morava no Rio de Janeiro e, depois de abandonar um tratamento no Espírito Santo, permanecia sob cuidados terapêuticos e psiquiátricos, amparado pela namorada.

Depois de 11 meses, o jovem, de classe média alta, foi localizado em Ribeirão das Neves, na Clínica de Recuperação Siloé. Em três meses de clínica, Fred engordou, ganhou massa muscular e recuperou o aspecto corado. “Até ver minha foto publicada no jornal, ninguém acreditava que eu realmente usava crack. A imagem chocou muito minha família, principalmente minha mãe, que sabia de tudo mas nunca tinha me visto usando o cachimbo”, diz o designer visual.

Em janeiro, quando conversou com a reportagem em uma cracolândia na  Pampulha, Fred estava de partida para a casa da noiva, carioca. Durante oito meses, conseguiu administrar o impulso de usar a droga, numa pequena cidade serrana do Rio. Não tinha dinheiro, acesso a cartão de crédito ou às chaves de casa. Em setembro, porém, a namorada baixou a guarda e autorizou que Fred sacasse R$ 1,2 mil depositados num banco.

Com a pequena fortuna nas mãos,  ele veio para BH e já desembarcou no Bairro da Lagoinha. Permaneceu por três dias na cracolândia. Chegou a ser dado como desaparecido. Só ligou quando acabou o dinheiro. Desesperado, bateu à porta da casa dos pais, que, mais uma vez, concordaram em interná-lo. Permaneceu menos de uma semana em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, e depois internou-se por vontade própria na Clínica Siloé.

DIONE Com 44 anos, a dona de casa Dione de Deus consome drogas desde os 15. No início do ano, depois de tentar suicídio, foi internada contra sua vontade. Durante seis meses esteve na comunidade terapêutica feminina Recanto de Cana, no Bairro Padre Eustáquio.

Depois de completar o período regular de internação, ela deixou a casa em novembro, contra a vontade dos coordenadores da comunidade. Não houve argumentos capazes de convencer a interna: ”Já estava cansada de ficar confinada. O perigo está lá fora”, diz.

Relembre o especial sobre crack

Na primeira semana de liberdade, Dione não quis voltar para sua casa, onde ficaria sozinha. Foi aceita de volta na residência do pai, mas ainda não ganhou as chaves das portas nem tem acesso a dinheiro. Uma semana depois, voltou a trabalhar. Passou por perícia para atuar como caixa de supermercado. “Sou uma nova pessoa, que quer viver sem a droga”, garante Dione, que se apoia na terapia, no uso de medicamentos e na solidariedade dos irmãos e dos filhos.

WAGNER Dono de bancas de jornal, Wagner Patrocínio foi encontrado pela reportagem quando alternava a presença em uma cracolândia na Pampulha com momentos amparado pela mulher. Depois de seis meses acompanhado, Waguinho tentou fugir três vezes de uma clínica em Ribeirão das Neves e foi levado pela esposa, a funcionária pública e ativista de direitos humanos Ângela Chaves Pereira, para se tratar em Patos de Minas.

Depois de muita insistência, Ângela conseguiu internar Wagner em agosto, depois que ele estava havia um ano usando crack e praticamente vivendo na rua. A internação na Clínica Quintino foi involuntária, ou seja, contou com indicação médica, mas deu-se contra a vontade do paciente. A decisão de internar o marido à força trouxe ainda mais problemas para a esposa. “Ele ficou muito bravo comigo porque sabe que só eu posso tirá-lo de lá”, desabafa.

Ângela passou a ser chantageada por Waguinho a cada visita mensal e nos telefonemas autorizados pela clínica, onde ele ficará internado até janeiro. “Foi um tempo de estresse e de tensão. Ele me pressionando, e eu tendo que servir de escudo contra toda a revolta dele e as fissuras pela droga. Mas graças a Deus, em momento algum pensei em tirá-lo antes do tempo”, contou a uma amiga em uma rede social.

MARCUS VINíCIUS  O pedreiro Marcus Vinícius Dias, de 31 anos, morador de Gonzaga, no Vale do Rio Doce, foi encontrado pela reportagem no início de um tratamento em uma comunidade terapêutica. Foram seis meses se tratando, e,no último encontro Marcus estava trabalhando na mercearia de um irmão, em sua cidade.

Ele sempre prometia dar a volta por cima. Com o tempo, porém, os novos problemas com as drogas ficaram incompatíveis com o trabalho. “Tive recaídas, mas não usei crack. Só cocaína”, diz Marcus, que está temporariamente em Contagem, na casa de outro irmão. Ele não faz relações com as recaídas dos últimos meses, mas se mostra muito triste ao contar que o irmão Milton,  principal entusiasta de sua recuperação, sofreu um acidente na BR-381 em agosto, já está há quatro meses no hospital e vai precisar reaprender a andar e falar. “Ele está melhorando, mas o acidente pegou todos de surpresa. Ele é muito querido”, conta.

A mulher de Marcus, Lívia Mara de Sousa Assunção, de 33, continua em Gonzaga e confessa que se cansou da luta contra a dependência do marido. “De uns tempos para cá ele ficou muito instável e o acidente do Milton piorou a situação. Definitivamente, o bilhete de entrada na droga é muito fácil, mas o de saída é dificílimo”, desabafa Lívia. Apesar de os problemas se repetirem, ela explica que é visível a mudança na cabeça do marido. “Ele conseguiu perceber o quanto a droga faz mal para ele, mas não consegue se livrar e fica angustiado, desesperado”, diz.

Agora, Marcus afirma que está mais tranquilo e que vai trabalhar no Rio de Janeiro. “Estou indo no início do ano. Vou trabalhar temporadas de 20 dias como carpinteiro e passar um tempo em casa”, conta. Nos bolsos, leva dois tipos de remédios calmantes para controlar a ansiedade, como parte de um tratamento que ele garante estar seguindo.

Tratamento difícil

Para o médico Valdir Campos, da Comissão de Controle de Drogas da Associação Médica de Minas Gerais, os insucessos no tratamento do crack podem ser explicados pela dificuldade de se obter tratamentos em rede. “A dependência química não pode ser vista só como uma questão biológica. Isso é parte do problema. Temos ainda o fator psicológico e as questões sociais, que interferem diretamente no problema”, diz o especialista.


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