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Estado de Minas

Depois do acidente que matou 14, moradores de Rubelita temem a BR-251

quem precisa viajar a Monte Claros para se tratar vive entre o medo da BR-251 e o temor de a doença se agravar


postado em 03/12/2013 06:00 / atualizado em 19/06/2017 09:33

De janeiro a outubro, 48 pessoas morreram em 347 acidentes no trecho entre Salinas e Montes Claros(foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
De janeiro a outubro, 48 pessoas morreram em 347 acidentes no trecho entre Salinas e Montes Claros (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)


Rubelita – Assim como todo o Norte de Minas, na semana passada Rubelita teve a volta da chuva, após sete meses de estiagem. Como sempre ocorre nesta época, os moradores do município – de 7,7 mil habitantes, a 670 quilômetros de Belo Horizonte e que tem a agricultura como atividade econômica – deveriam estar contentes pela possibilidade do plantio das lavouras, pela volta da água aos córregos e rios e esperança de dias melhores. Mas, desta vez, a população não teve como comemorar a “bênção dos céus”. A chuva chegou no momento em que a cidade está abalada devido à tragédia com o micro-ônibus do Consórcio Intermunicipal do Alto Rio Pardo (Cidarp), que na manhã do dia 25 levava, além do motorista, 25 pessoas para tratamento médico em Montes Claros, com seus acompanhantes, e se chocou com uma carreta descontrolada em uma curva, no km 362 da perigosa BR-251, no município de Padre Carvalho, na mesma região. Morreram 14 pessoas e 13 ficaram feridas.

No domingo, os mortos no acidente foram lembrados na missa de sétimo dia celebrada na Matriz de Santo Antônio, único templo católico da cidade. Os moradores tentam reconstruir suas vidas, mas sabem que será difícil curar feridas do desastre, que, além das perdas de parentes e amigos, deixou outras consequências. Como Rubelita tem estrutura de saúde muito limitada – um pequeno centro de saúde com dois médicos da atenção básica e visitas periódicas de alguns especialistas –, seus habitantes vão continuar precisando se deslocar até Montes Claros para realizar exames e consultas especializadas.

Mas pelo menos por enquanto esse deslocamento por conta do poder público está interrompido, pois o micro-ônibus envolvido no acidente era o único veiculo disponível para isso. Devido à falta do transporte, quem tinha viagem marcada para o dia 30 se viu obrigado a suspender exames e consultas. O desastre aumentou também o medo dos moradores do que pode ocorrer na BR-251.

O trágico acidente trouxe mudanças profundas (e ruins) para a produção no campo, principal atividade econômica do município. O trabalhador rural Joaquim Ramalho dos Santos, de 60 anos, estava no veículo acidentado – viajava para acompanhar o tratamento da mulher, Vilma Ramalho, internada em hospital em Montes Claros. Mesmo tendo ficado gravemente ferido, ele comemora o fato de ser sobrevivido. No entanto, Joaquim vive um sofrimento enorme pelo fato de ter chegado o período chuvoso e ele estar impedido de plantar sua rocinha, pois ainda está em recuperação. “Plantei milho, mas veio o sol e nada vingou. Agora que a chuva chegou para valer – que era hora de fazer o replantio –, não posso plantar nada”, lamenta Joaquim, que não segurou as lágrimas ao falar do assunto. A pequena lavoura é a subsistência dele, que conta ainda com a ajuda dos quatro filhos. No acidente, ele fraturou a tíbia direita e teve o fêmur direito a bacia lesionados. Ainda terá que passar uma por cirurgia e ficar pelo menos três meses sem andar. Joaquim conta que no momento do acidente estava sonolento e desmaiou com a batida. “Quando acordei, vi que tinha uma pessoa morta debaixo de mim. Eu viajava no meio do micro-ônibus. Dali para frente, todos morreram”, lembra.

Outro que tenta retomar a vida é o tratorista José Antenor dos Santos, de 57. Ele perdeu na tragédia a filha, Maria Aparecida Silva, de 24, e o neto, Lucas, de 5 anos. “Temos que cobrar dos políticos a reforma da estrada”, afirma o morador, demonstrando revolta com a situação da BR-251. Antenor salienta que por causa da necessidade de percorrer a rodovia para tratamento, ao mesmo tempo em que foi alívio para pôr fim ao drama da seca, a chegada da chuva trouxe apreensão para os moradores de Rubelita. “A gente fica feliz com a chuva por causa do plantio das roças, mas ficamos preocupados porque, com a pista molhada na estrada, o perigo aumenta”, ressalta o tratorista. A mulher dele, Ana Ferreira Silva, de 58, conta que, com a chegada chuva, pensou em replantar uma pequena roça (meio hectare) de milho, mas ficou tão chocada com as mortes da filha e do neto que não conseguiu aproveitar o tempo favorável. “Fiquei triste demais. Ainda não tive ânimo para plantar nada”, diz Ana Ferreira. Entre os moradores da cidade, um dos mais abalados pelas mortes na BR-251 é o caminhoneiro Eliezer Miranda, de 32, que perdeu a mulher, Maria Aparecida, e o filho (único), Lucas. “Não sei o que vou fazer da minha vida. Somente peço a Deus para nos confortar numa hora desta”, diz Eliezer, aos prantos.

PERFIL

População: 7,7 mil habitantes (70% na zona rural)
Distância de BH: 670km
Economia: agricultura e pecuária
Renda circulante: baseada nas aposentadorias rurais (cerca de R$ 1 mil) e cadastrados no programa Bolsa-Família (R$ 1,2 mil)
Fonte: Prefeitura de Rubelita

A falta do micro-ônibus

Os moradores de Rubelita que são obrigados a viajar para o tratamento médico ou para acompanhar parentes que estão se tratando já viviam amedrontados com os acidentes constantes na BR 251, que segundo revelou reportagem do Estado de Minas, domingo passado, é uma das estradas que mais matam em Minas. De janeiro a outubro, foram 48 mortos, em 347 acidentes no trecho rodoviário, com um aumento de 45% em relação ao mesmo período de 2012, quando morreram 33 pessoas, em 348 acidentes.

São 210 quilômetros entre Salinas e Montes Claros, passando pela serra de Francisco Sá, um dos trechos mais perigosos da rodovia. “Toda vez que tenho que pegar essa estrada, não durmo na noite anterior. Agora, com essa tragédia, o medo da gente aumentou”, confessa a dona de casa Maria Isabel Miranda Lima. Ela conta que há cerca de três anos constantemente é obrigada a deixar Rubelita para acompanhar o tratamento do pai, o aposentado João Nouro Lima, de 83 anos, que luta contra um câncer de pulmão. Ele viajou para Montes Claros, para uma revisão, dia 30, mas, por falta do transporte público, precisou pagar R$ 280 ao dono de um veículo particular.

Por sua vez, Jovenita Alves Miranda, de 58, percorre a estrada há dois anos, para tratar de um câncer no útero. Ela viaja em companhia do marido, o agricultor João Loiola Miranda. Com a perda do micro-ônibus no, na sexta-feira passada, o casal viajou a Montes Claros em outro carro da prefeitura. O medo dos acidentes na BR-251 é tanto que há pessoas que estão retardando tratamento médico, como é o caso da professora Edna Mara Moraes Santos.

O auxiliar de serviços gerais Saturnino Mendes, o Cuca, de 48 anos, depois de sentir forte dor nos rins, marcou exames em Montes Claros para o dia 25 de novembro. Contudo, três horas antes da saída, como não sentia nada, desistiu da viagem. Foi sua salvação: às 6h, depois de rodar 90 quilômetros, o micro-ônibus dirigido pelo motorista Willian Vieira Rabelo, de 32, bateu numa carreta carregada de motores a geradores, matando 14 pessoas. Dia 29, Saturnino viajou a Montes Claros por conta própria. Hospedado na casa de uma irmã, somente conseguiu vaga para se submeter aos exames hoje.

LAUDO PERICIAL

As causas da batida entre o micro-ônibus e a carreta na BR-251 que resultou em 14 mortes, dia 25, estão sendo investigadas pela Polícia Civil. O laudo pericial da tragédia deverá ser divulgado amanhã. O prazo de conclusão do inquérito é de 30 dias. O motorista da carreta envolvida na tragédia, que seguia de Contagem para o Recife, José Carlos Vieira, de 37 anos, foi ouvido no dia do acidente e liberado. O tacógrafo marca que a carreta estava a 84 km/h, acima da velocidade máxima permitida no local (60km/h).


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