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Estado de Minas

Ateliê de escola da UFMG usa tecnologia inédita para vasculhar arte barroca

Raios X: a tecnologia analisa interior de imagens. Ações em 20 obras são acompanhadas por física italiana


postado em 25/09/2013 06:00 / atualizado em 25/09/2013 08:16

Pelo sistema é possível descobrir problemas no interior das esculturas e indicar as intervenções mais adequadas(foto: Angelo Pettinati/EM/D.A Press)
Pelo sistema é possível descobrir problemas no interior das esculturas e indicar as intervenções mais adequadas (foto: Angelo Pettinati/EM/D.A Press)


De um lado, a imagem de Santa Efigênia, do século 18, pertencente ao distrito de Santo Antônio do Norte, em Conceição do Mato Dentro, na Região Central de Minas. Do outro, o raios X da peça, permitindo ao restaurador-conservador uma leitura da policromia existente sob a repintura e detalhes que passam despercebidos a olho nu. No ateliê da Escola de Belas Artes (EBA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no câmpus da Pampulha, em Belo Horizonte, a moderna tecnologia anda de mãos dadas com a arte barroca para evitar intervenções inadequadas e riscos para obras sacras.

Atualmente, professores e alunos estão mergulhados na recuperação de um pequeno tesouro, de 20 imagens, entre elas a de Santa Efigênia, cujo restauro é possível graças a uma convênio firmado no ano passado entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha/MG) e a EBA/UFMG. Até o ano que vem, todo o serviço estará concluído, explica a professora Maria Regina Emery Quites, do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais (Cecor), instituição que é referência internacional no setor.

Na tarde de ontem, o ateliê da instituição recebeu a visita da física italiana Adriana Bernardi, do Instituto de Ciências Atmosféricas e Clima (Isac), da Itália, que, na sequência, fez uma palestra sobre climatologia aplicada à conservação do patrimônio cultural.

Adriana, que trabalha em Pádua, na Itália, falou sobre os cuidados no manuseio que uma obra de arte deve merecer, pois, dependendo da mudança de uma cidade para outra, pode sofrer profundos danos, como rachaduras. Ela é defensora de que monumentos e outros bens culturais históricos, ao ar livre, sejam substituídos por réplicas. “O que está guardado internamente pode ser controlado, enquanto o externo não. Isso protege contra mudanças climáticas e também impede vandalismo”, disse a física italiana.

A professora Maria Regina explicou que três peças já foram entregues, devendo ficar prontas até dezembro cinco e em 2014 as restantes. Com um olho na peça de Conceição do Mato Dentro e outro no raios X, como se estivesse diante de um espelho do tempo, ela explica que o equipamento é fundamental no trabalho. “A decisão de remover a repintura é um dos momentos mais importantes e sérios do processo de restauro. Se não houver certeza do que está sob a camada de tinta, corre-se o risco, por exemplo, de não se encontrar nada embaixo, apenas a madeira”, diz a professora.

Cabeça de imagem de Santa Efigênia foi retirada para remoção de cupins(foto: Angelo Pettinati/EM/D.A Press)
Cabeça de imagem de Santa Efigênia foi retirada para remoção de cupins (foto: Angelo Pettinati/EM/D.A Press)
Cupins atacam cabeça de santa

No caso da imagem de Santa Efigênia, além da repintura e manuseio inadequado, os restauradores encontraram cupins dentro da cabeça de madeira. A separação do rosto foi necessária para retirada dos insetos e dos olhos de vidro, que estavam caídos no interior da escultura. Com todo cuidadeio, em uma caixinha transparente, Maria Regina mostra os olhos da santa, que serão recolocados.

O manuseio inadequado prejudicou a imagem, que sem a face tem uma aparência sinistra. Mas isso será por pouco tempo, já que o serviço está a todo vapor no ateliê. “A repintura, geralmente, é feita sobre a policromia que se desprendeu ao longo do tempo devido a umidade”, explica Maria Regina.

O acervo em restauro inclui as imagens de São Francisco Xavier, São Benedito, Santa Efigênia, São João Batista, Santa Rita e Nossa Senhora da Conceição, da Igreja de Santo Antônio do distrito de Santo Antônio do Norte, em Conceição do Mato Dentro; São Francisco de Assis, Nossa Senhora dos Prazeres, Santo Antônio de Pádua e São Sebastião, da Matriz de São Gonçalo, no distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras, no Serro; São Gonçalo e Santa Mestra, pertencentes à Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres, no distrito de Milho Verde, no Serro; Santo Antônio, Nossa Senhora das Dores, São Sebastião, São José de Botas, Nossa Senhora do Rosário, Divino espírito Santo e Sagrado Coração de Jesus, da Capela de Nossa Senhora do Rosário, do distrito de Cuiabá, em Sabará. Há também uma tarja de retábulo (elemento artístico integrado), da Igreja de Bom Jesus do Matozinhos em Couto de Magalhães de Minas.

"O que está no interior de uma instituição é mais fácil de ser controlado e protegido" - Adriana Bernardi, especialista italiana (foto: Angelo Pettinati/EM/D.A Press)
Italiana defende réplicas de profetas


Ataque de cupins, umidade, infiltrações, poluição ambiental, poeira proveniente de mineração e manuseio inadequado. Monumentos, obras de arte e peças sacras estão sujeitos a fatores de alto risco que levam a degradação, comprometem a história do país e geram perda de identidade das comunidades. Para especialistas, como a física Adriana Bernardi, do Instituto de Ciências Atmosféricas e Clima (Isac), da Itália, vinculado ao Conselho Nacional de Pesquisa – no Brasil, semelhante ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Brasil –, há uma série de perigos no ar, sendo necessário, em instituições como museus, que se formem equipes multidisciplinares (físicos, biólogos e outros profissionais) para cuidar do patrimônio e impedir a deterioração.

Residente em Pádua, na Itália, onde dirige a filial local do Isac, Adriana é defensora da ideia de que monumentos de relevância, como os 12 profetas de Aleijadinho, em Congonhas, devem ficar guardados e substituídos nos espaços públicos por réplicas. Além de proteger contra a ação do tempo, a iniciativa afugenta o vandalismo.

Hoje, a física visita Congonhas em companhia do coordenador do Laboratório de Ciências da Conservação, professor Luiz Souza, da Escola de Belas Artes da UFMG, para ver de perto os 12 profetas do adro da Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. No local, reconhecido como Patrimônio da Humanidade, ficam sob sol e chuva as peças em pedra-sabão esculpidos por Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, entre 1800 e 18005.

Mesmo sem conhecer os profetas, Adriana diz que o caso pode ser semelhante ao Davi eternizado em mármore por Michelangelo, entre 1501 e 1504. A obra ficou em frente ao Palazzo Vecchio, na Piazza della Signoria, em Florença, até 1873, quando foi transferida para a Galleria dell'Accademia. No lugar está uma réplica muito visitada pelos turistas. “O que está no interior de uma instituição é mais fácil de ser controlado e protegido”, diz a especialista, com a experiência de quem já trabalhou em projetos internacionais de conservação de monumentos como a Gruta de Lascaux, na França, Capela Sistina, no Vaticano, e Santa Ceia em Milão. Em Belo Horizonte, Adriana estará, na segunda-feira, na banca de defesa de doutorado de Willi Gonçalves, que estudou a degradação da capela de Congonhas que representa a Santa Ceia.

ORIENTAÇÕES Pouco antes da palestra no pátio da Escola de Belas Artes, Adriana disse que é fundamental para gestores do patrimônio, zeladores, padres e outros funcionários conhecer bem as condições climáticas em que se encontra o acervo. “A partir de informações sobre as condições climáticas, fica mais fácil manter as peças na temperatura adequada. Na Inglaterra, o nível de umidade pode ser de 55%, mas no Cairo (Egito), 40%. Em Brasília (DF), de clima mais seco, já é outro nível”, disse.

O professor Luiz Souza acrescentou que a transferência de peças de madeira, barrocas, de um lugar para outro, deve ser revestida de muito cuidado. “Pode ser que até rachem ao chegar a outro local, devido às condições climáticas diferentes”, explicou.

Para ele, é preciso ter atenção e não deixar uma peça sob o sol, o que causa sérios danos. Da mesma forma, não se pode colocar um aparelho umidificador sob um quadro ou simplesmente deixá-lo no ar condicionado. “Tudo deve estar dentro de uma faixa aceitável. Há quem diga que a ventilação é importante, mas é bom lembrar que o vento pode trazer partículas poluentes e danificar a obra”, disse.

(foto: Beto Magalhães/EM/DA Press - 18/11/11)
(foto: Beto Magalhães/EM/DA Press - 18/11/11)
MEMÓRIA

Esculturas digitalizadas


Os profetas de Congonhas são alvo de longa polêmica. Alguns acham que eles devam ir para um museu, pelos sinais de degradação, outros que eles devem continuar no adro da basílica. No ano passado, num trabalho inédito e high-tec, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em parceria com a Comau do Brasil, que cedeu um robô, teve a iniciativa de fazer o processo de digitalização em 3D dos profetas. O objetivo é garantir mais segurança para as peças, pois serão armazenadas todas as informações sobre as esculturas, inclusive o sistema de construção, e permitirá a produção de réplicas de tamanhos diversos sempre que necessário. O conjunto histórico é reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade.


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