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Estado de Minas

Critérios de seleção para moradores variam em cada república


postado em 16/12/2012 00:12 / atualizado em 16/12/2012 08:34

Larissa (à direita), com as colegas Paula e Isabela:
Larissa (à direita), com as colegas Paula e Isabela: "Aqui ninguém é obrigado a fazer nada que não queira" (foto: Beto Magalhães/EM/DA Press)


Os estudantes da Ufop são os que mais bebem entre os de 56 instituições federais de ensino superior no país, segundo pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. Em outubro, o levantamento revelou que 29,8% dos alunos da instituição assumem consumir bebidas periodicamente ou sempre, mais que o dobro da média nacional (14%). A bebedeira chega a ser premiada em eventos como a Festa do Bafômetro, onde ganha quem atingir o mais alto nível de embriaguez.

Apesar desses dados, o presidente da Refop, Luiz Philippe Albuquerque, nega que os universitários da cidade se excedam mais que os de outros lugares. “Aqui não se bebe mais. Talvez a galera ache bonito dizer que bebe. A pessoa se vangloria por beber mais que a outra”, acredita. Ele admite que o consumo de álcool precisa diminuir. “Mas isso é no Brasil inteiro”, ressalta. “Hoje em dia, o incentivo para que o jovem beba é violento. A própria mídia mostra o cara que bebe como uma pessoa bem relacionada, que sabe conversar com mulheres, que consegue se dar bem”, avalia ele, que tem 22 anos e estuda direito na Ufop.

O rapaz mora na república federal Unidos por Acaso, no Bairro Bauxita, onde fica o câmpus da Ufop. No processo de seleção de novos moradores, cada república se baseia em critérios próprios. “Cada uma tem suas prioridades. Aqui em casa, damos mais valor ao estudo e ao trabalho. Ninguém pode ficar à toa. Já outras casas dão mais importância ao convívio social”, explica Philippe.

Um dos “bichos” da Unidos por Acaso é Yutaro Nishi, de 19 anos, que morava em Jundiaí (SP) antes de estudar economia na Ufop. “Aqui, não me senti pressionado a fazer nada que não quisesse. Nada, nada”, afirma o tímido e quase sempre sorridente Yutaro, cujo cabelo foi raspado, como ocorre com todos os novatos. Ele está gostando da vida na cidade histórica mineira e diz estar aprendendo a conviver com pessoas diferentes. “Em Jundiaí, eu morava com minha mãe. Ficava o dia inteiro no computador. Não lavava louça, não cozinhava, não fazia faxina. Minha rotina mudou bastante. Aqui, tudo é aprendizado.”

Assim como a maioria dos calouros em repúblicas ouro-pretanas, o rapaz fica responsável por algumas tarefas domésticas, como fazer compras e faxina, pôr o lixo para fora, servir visitas e ser garçom nas festas. Os moradores mais antigos atuam como administradores e gerem as finanças.

Em algumas moradias, porém, essa hierarquia é quase inexistente. É o caso da república particular feminina Favinho de Mel, localizada no Centro. “Cada uma cuida do seu quarto. Cada uma lava sua louça. Também dividimos as compras de casa”, relata uma das moradoras, Larissa Leite Morais, de 22, estudante de serviço social na Ufop. Presidente da Associação das Repúblicas Reunidas de Ouro Preto (Arrop) – integrada pelas 23 moradias particulares mais antigas na cidade –, Larissa admite que algumas das casas particulares aplicam trotes vexatórios, mas acredita que sejam poucas. “Aqui em casa ninguém é obrigado a fazer nada que não queira”, ressalta. Ela diz não ter notícia de nenhum “bicho” que tenha sido pressionado a beber e destaca: “Em todo lugar há excessos, isso não é exclusividade de Ouro Preto”.

Roupas de calouro na rua

Assim como Rafael e Marcos, William* sofreu para estudar durante as duas semanas em que “batalhou” uma vaga em uma república federal no Centro de Ouro Preto, em setembro de 2008. “Era impossível. Nas vezes em que tentei ler alguma coisa, um dos veteranos dizia: ‘Que é isso, bichão? Ainda estamos no primeiro mês de aula. Larga isso e vem beber com a gente’”, conta. O novato se sentia forçado a aceitar o convite para ir a festas. “Eu ia para agradar. Sabia que se não fosse receberia punições.” As penas incluíam amarrar todas as roupas do calouro e esticá-las na rua, como um varal. William, que hoje tem 23 anos e paga R$ 300 de aluguel em uma pensão, também teve suas roupas distribuídas por várias moradias e precisou beber para reavê-las.

As práticas são antigas, a julgar pela história de um homem que se identifica apenas como Costa, que hoje tem 47 anos e vive em Nova Lima, na Grande BH. Ele morou em uma república federal por três anos, de 1984 a 1987. As farras já eram frequentes. “Nunca bebi, mas a pressão era constante. Eu era ridicularizado, chamado de fracote e outros apelidos depreciativos”, relata.

No entanto, a maior parte dos bichos acabava reproduzindo os excessos, não apenas com álcool, mas também com maconha e outras drogas ilícitas, segundo Costa. “Alguns colegas iam à aula bêbados ou drogados. Muitos passavam mal e nem conseguiam chegar ao banheiro para vomitar”, lembra. Os trotes também eram corriqueiros. “Alguns calouros eram acordados de madrugada com uma panela de água fria ou com cerveja sendo despejada na cabeça.”

O porta-voz das moradias federais, o presidente da Associação dos Moradores de Repúblicas Federais de Ouro Preto (Refop), Luiz Philippe Albuquerque, nega que os trotes ainda sejam praticados, já que foram proibidos pelo Estatuto das Repúblicas Federais desde 2010. Práticas como o “vento”, por exemplo, teriam sido extintas. “Hoje, chamamos a atenção do calouro de formas mais educativas”, afirma. “Por exemplo, se ele deixa a luz do quarto acesa, você pode pedir para o ‘bicho’ escrever uma redação sobre a importância de economizar energia (elétrica) e pedir para ele ler em outra república.”

*Nomes fictícios

Palavra de especialista

Valdir Campos: médico integrante da Comissão de Controle do Tabagismo, Alcoolismo e Outras Drogas da Associação Médica de Minas Gerais

O álcool é um depressor do sistema nervoso central, e quanto maior a ingestão da substância de uma só vez, mais prejudicado fica o cérebro, que pode chegar ao ponto de ter uma pane. Esse é o momento em que a pessoa pode sofrer convulsão e também correr o risco de se asfixiar com o próprio vômito ou entrar em coma, devido às alterações no metabolismo e à diminuição do nível de glicemia no organismo. Conforme o excesso, os dois quadros podem evoluir para uma parada cardiorrespiratória e, consequentemente, a morte da pessoa. Os adolescentes ficam mais suscetíveis a essa situação, pois o sistema nervoso central ainda está em formação. Conforme o nível de alcoolemia vai aumentando na corrente sanguínea, os efeitos vão sendo produzidos: primeiro, a pessoa pode ficar um pouco mais tonta; em seguida, ela perde a coordenação motora; logo depois, começa a ver as coisas turvas. As etapas seguintes podem incluir desmaio, perda dos sentidos e da consciência e parada respiratória.


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