(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Crianças usam aparelhos de ginástica por falta de brinquedos nas praças de BH

Poucos espaços de Belo Horizonte oferecem brinquedos para as crianças e, quando têm, são precários e sem projeto pedagógico. Saída para os pequenos é usar os aparelhos de ginástica


postado em 25/06/2012 06:41 / atualizado em 25/06/2012 07:00

A Praça JK, no Mangabeiras, oferece quadra, pista de caminhada, espaço para skate, muitos equipamentos para musculação e espaço livre, mas faltou o parquinho para as crianças(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
A Praça JK, no Mangabeiras, oferece quadra, pista de caminhada, espaço para skate, muitos equipamentos para musculação e espaço livre, mas faltou o parquinho para as crianças (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Imagine uma praça. Entre as imagens que podem surgir nesse exercício está a de crianças brincando e testando os limites do pequeno corpo. Um garotinho de 1 ano enfrentando a altura amedrontadora de um escorregador, uma menina de 5 vencendo o desafio de chegar ao último cubo do labirinto vertical. Mas a realidade é bem diferente. Não é fácil encontrar em Belo Horizonte praças que permitam tais descobertas. Até a Região Centro-Sul, a mais nobre da capital, é carente de espaços ao ar livre com brinquedos adequados para as várias fases da infância. O mais comum é ver crianças se divertindo nos aparelhos de ginástica das academias a céu aberto instaladas pela cidade.

A reportagem do Estado de Minas visitou algumas praças – Duque de Caxias, no Santa Tereza, Regional Leste; a Capela Nova, no Bairro Minas Brasil, Região Noroeste; a da Saúde, no Grajaú, Regional Oeste; o Parque JK e o Parque Santa Lúcia, ambos na Regional Centro-Sul – e o que se percebe é que elas não estão preparadas para receber os pequenos, muitas sequer têm brinquedos, e quando os têm, são poucos e sem características lúdicas.

Na Duque de Caxias, mais conhecida como Praça de Santa Tereza, os brinquedos foram reduzidos pela metade: eram dois, agora resta apenas um. A estrutura em forma de foguete que a meninada alcançava para descer escorregando não leva mais a lugar nenhum, pois o anexo foi retirado.

Abandono

Diante de uma escola e rodeada de prédios sem área de lazer está a Praça Capela Nova, no Bairro Minas Brasil, na Região Noroeste. Ela é sinônimo do abandono, com sujeira para todo lado e lixeiras e luminárias quebradas. No Bairro Grajaú, Regional Oeste, a Praça da Saúde é um dos poucos espaços de lazer ao ar livre, mas 70% de seu reduzido espaço foi ocupado por aparelhos de ginástica. Sobrou uma pequena parte para a instalação de dois brinquedos.

Já no amplo espaço do Parque JK há apenas um módulo que conjuga escorregador e túnel. André Funghi, chefe do Departamento Sudeste da Fundação de Parques Municipais, concorda que o espaço é mal aproveitado. “Assumi a administração do parque assim, mas concordo que ele poderia servir como um espaço educativo e lúdico. As crianças de hoje sofrem com a falta de brincadeiras, estão desaprendendo a brincar. O parque tem um espaço muito bom e poderia ter mais equipamentos para proporcionar outras experiências. Acho importante o poder público atentar para isso”, diz Funghi.

O professor e advogado Eloy Pereira Lemos Júnior, de 42 anos, acompanha o filho Rafael, de 2, na brincadeira nos aparelhos de ginástica do Parque JK e explica por que não está com o filho no playground. “Os equipamentos acabam virando brinquedo porque chamam mais a atenção do que o parquinho, o que é até perigoso, pode machucar. Acho que essa praça tem muito espaço e poderia ter brinquedos para todas as idades. A finalidade não pode ser apenas o adulto”, opina.

Barato

Para a psicóloga e educadora Cláudia Souza, uma mineira que vive em Milão, na Itália, para proporcionar benefícios às crianças não é necessário um grande investimento financeiro. “As soluções podem ser simples e baratas. Mas é fundamental uma concepção que priorize as crianças nestes espaços públicos”, afirmou ela, que faz parte do ProgettoQualeGioco, grupo formado por arquitetos e designers que elabora projetos de parques infantis na Itália. Cláudia responde pela parte de ludicidade e psicomotricidade das praças projetadas.

“Em uma sociedade em que a maioria das crianças está restrita a espaços fechados, as praças ocupam um papel importantíssimo em seu desenvolvimento, a começar pela própria percepção espacial, que pressupõe a experimentação de distâncias e alturas com as quais se tem pouca experiência nos ambientes fechados. Até a possibilidade de expandir, se arriscar, se movimentar livremente. Tudo isso contribui significativamente para um desenvolvimento saudável, seja das emoções, da cognição ou da corporalidade, tão em risco num mundo cada vez mais virtual”, explica a psicóloga. “As perdas são enormes, começando pela interação com os iguais, que é o que funda a moralidade, no sentido de compreender as regras e respeitá-las. Mas também existem as perdas motoras, já que a atividade complexa e diversificada é fundamental para a construção do esquema corporal e até para a constituição física”, diz.

TRÊS PERGUNTAS PARA...
Cláudia Souza - Psicóloga e educadora, que faz parte do ProgettoQualeGioco, na Itália

Quais aspectos devem ser levados em conta na hora de projetar uma praça?
O tripé que deve sustentar o projeto de uma praça/parque deve ser a valorização da brincadeira como fonte de crescimento; interação com a natureza, trazendo para o dia a dia das crianças a possibilidade de conhecer as origens humanas; e cultura, que é o encontro da acumulada pela humanidade com a criada pelas próprias crianças, como brincadeiras e canções.

Existem equipamentos mais ou menos adequados para crianças?

Não é interessante associar cada brinquedo a uma habilidade, porque se ele é válido, vai ativar não uma, mas milhões de habilidades diferentes. O brinquedo e a cultura lúdica não estão a serviço da aprendizagem. A gente não brinca para aprender. A aprendizagem é um “efeito colateral” da brincadeira. O que acho é que eles devem ser projetados levando-se em conta suas possibilidades lúdicas/interativas.

O que é o conceito de "espaço lúdico ao ar livre"?

É a possibilidade de brincar em espaços externos organizados e estimulantes, sejam os usuários crianças ou adultos. É importante salientar que, embora os parques sejam projetados com a criança em foco, os adultos também devem ser considerados. Pensar em espaços de descanso para os pais, de conversa entre eles, para os avós etc; tudo isso faz enriquecer o projeto.

Prefeitura assume falhas no processo atual
Para que parques e praças sejam concebidos, o processo é fragmentado. As regionais recebem as demandas da comunidade e as encaminham para a Secretaria de Meio Ambiente. O órgão tem a atribuição de analisar e aprovar qualquer intervenção em área verde. A partir daí, a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) assume o projeto, repassando as diretrizes para a empresa contratada para executá-lo. A Secretaria Municipal de Educação, que poderia atuar na parte pedagógica do projeto, não participa do processo.

A chefe da Gerência de Gestão Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Márcia Mourão, explica que a colocação de equipamentos nas praças está diretamente relacionada à demanda da comunidade. “Temos que conciliar o que a população quer com a área que temos, avaliar se ela comporta ou não a demanda. Apesar de não ser o único foco, garanto que a criança sempre esteve presente entre as nossas preocupações. Mas uma política pedagógica específica para praças realmente não temos", diz.

Para a coordenadora do Programa Escola Integrada, Neuza Macedo, a presença de educadores na concepção dos projetos enriqueceria os espaços públicos ofertados à população. “Acho que é importante o olhar da educação sobre as praças, para que a gente possa pensar o território de maneira articulada e complementar”, opina. O Escola Integrada realiza muitas atividades e oficinas nas praças e parques da cidade como forma de ampliar o espaço escolar. Quando questionada sobre os equipamentos que encontra, Neuza não esconde: “são precários”. “Temos ocupado as praças, tentando usufruir do que ela tem, mas também levamos muita coisa, como oficinas de teatro. Até mesas de plástico levamos para oficinas de jogos de mesa”, diz.

 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)