Prados – Tempo de esperança e salvação para o casarão símbolo de uma atividade com mais de dois séculos no Campo das Vertentes. Depois de longa negociação com os proprietários e muita expectativa dos moradores, o sobrado da Selaria Estrela, no Centro Histórico, vai ser recuperado pela prefeitura. Ainda este mês, segundo o chefe do Executivo, Gustavo Gastão Cardoso (PT), terão início as obras emergenciais para garantir a integridade do imóvel, cuja estrutura demanda intervenção urgente. Na sequência, virá o projeto de restauração do mais imponente sobrado de Prados, que fica 178 quilômetros de Belo Horizonte. Dá gosto ver, principalmente, o conjunto de 42 lanternas sobre as janelas.
Cardoso explicou que o comodato firmado com os proprietários, para um período de 20 anos, permitirá que a prefeitura ocupe o segundo andar do casarão, instalando ali as dependências da Secretaria Municipal de Turismo, Cultura, Esportes e Lazer e o futuro Museu do Couro. “No andar de baixo, continuará funcionando a selaria. Enquanto durar a obra, moradores e o empreendimento vão mudar de endereço ”, diz o prefeito, que tem R$ 100 mil do Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural para os primeiros serviços.
Localizado na esquina da Rua Coronel José Manoel e Travessa José Marques da Costa, o imóvel foi erguido no século 18 para ser residência do padre José Maria Pamplona. Na fachada, diz a secretária municipal de Turismo, Keila Maria Franco, está indicado o ano 1892, referente a uma grande reforma. “O prédio é muito importante para a cidade, ocupa área estratégia, traz orgulho para a população. Perdê-lo seria como ficar sem um pedaço da nossa história”, afirma Keila, lembrando que a prefeitura vai buscar recursos, via leis de incentivo, para recuperação completa. Na primeira fase, serão feitos escoramento, troca de madeiras, demolição de partes de alvenaria. “Vamos nos preocupar também com a acessibilidade”, observa. O imóvel é tombado pelo município desde 2005, quando começaram as conversas com os proprietários e a busca de recursos.
Em 2005, a Selaria Estrela foi considerada referência cultural de Prados, e o tombamento municipal veio em 15 de abril daquele ano. A partir dessa medida, o município passou a receber o repasse do ICMS Cultural, mas o estado precário da edificação exigia mais investimentos. Sem sucesso, foi buscar verbas no Ministério do Turismo. Na sequência, houve dificuldades para contratação de empresas que recuperassem o prédio. Nesse período, a família proprietária concordou em fazer o comodato com a prefeitura e o restauro entrou no orçamento. Agora, o projeto vai começar a sair do papel, embora sem data de conclusão das obras.
Ponto de parada dos tropeiros
Um dos expoentes da Estrada Real, o Arraial dos Prados surgiu no início do século 18 – a cidade está comemorando 308 anos. Segundo estudos, foram os paulistas de Taubaté, da família Prado, os fundadores do povoado primitivo. Em 1704, Manoel e Félix Mendes do Prado começaram ali a exploração do ouro. Além de núcleo minerador, a localidade era ponto de parada de tropeiros e bandeirantes que se dirigiam a outras regiões. Essas paradas favoreceram o rápido crescimento da população. O povoado teve como primeiro templo uma capela de sapé dedicada a Nossa Senhora da Conceição. Pouco depois, um dos fundadores, já dono de grande fortuna e aliado a outros habitantes ricos, contratou artistas para erguer um novo templo. As obras só foram concluídas 50 anos depois. A localidade de Prados pertenceu a São José del-Rei, atual Tiradentes, e em 1892 recebeu o título de cidade.Com o esgotamento das jazidas de ouro, o arraial partiu para uma nova alternativa econômica, com a implantação de pequenas indústrias de artefatos de couro.
Uma viagem ao tempo da bruaca e do balaio
Entrar na selaria é conhecer um casarão mineiro desses bem antigos e cheios de história. Com está hoje, o espaço, com mais de 20 cômodos, não inspira conforto e segurança, mas é preciso admitir que permite uma viagem pelo tempo.
A selaria vem de longa data em Prados. “Há mais de dois séculos”, revela Nhô Marques, que começou a conhecer os segredos dessa arte ainda bem criança, aos 7 anos. De tanto conversar com os parentes e conterrâneos mais velhos, descobriu que os tropeiros, os legendários negociantes que cruzaram terras, levavam muito mais do que alimentos, roupas e mobiliário no lombo dos burros. Dentro das bolsas de couro, chamadas bruacas, dos balaios e das arcas, iam também arreios de Minas para vender em outras regiões , como Goiás. Fez-se assim a tradição de bons seleiros.
Diz a sabedoria popular que a oportunidade é um cavalo arreado que só passa uma vez na vida. Quem consegue vê-lo e deixa de montá-lo corre o sério risco de ficar na poeira. Enxergando a ótima chance de agarrar a sorte e segurar as rédeas de um bom negócio, desde os tempos coloniais, muitos mineiros se tornaram seleiros em Prados, Conceição do Mato Dentro, na Região Central, e Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. Portanto, as histórias que Nhô Marques ouvia quando criança eram mais do reais e hoje ganham eco nas pesquisas sobre o tema.
Em Prados, as atividades que têm o couro como matéria-prima se tornaram referência econômica do município, revelando, com seus produtos, o talento de muitos artesãos. Entre eles, José Marques da Costa (1899–1984), que soube recuperar um ofício do século 18 e repassá-lo, com a criação da Selaria Estrela, em 1930, para outras gerações.