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Estado de Minas

Sucessão de falhas na medicação mata oito mil pessoas por ano no Brasil

Caso da auxiliar de enfermagem que deu ácido a menino em vez de sedativo em BH expõe grave problema


postado em 13/04/2012 06:00 / atualizado em 13/04/2012 06:41

Estação de trabalho e sistema informatizado na farmácia do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, em BH: controle rigoroso para evitar equívocos(foto: Cristina Horta/EM/ DA Press)
Estação de trabalho e sistema informatizado na farmácia do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, em BH: controle rigoroso para evitar equívocos (foto: Cristina Horta/EM/ DA Press)

Ácido em vez de sedativo, álcool usado como colírio, leite materno ou vaselina aplicados na veia em vez de soro. Erros de medicação são a causa da morte de pelo menos 8 mil pessoas por ano no Brasil. As falhas ou reações adversas da administração de remédios correspondem a 7% das internações hospitalares, o que equivale a 840 mil casos por ano. Os dados do Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamentos (ISMP Brasil) mostram que o pequeno Alan Breno Castro Novais, de 2 anos, vítima da troca de remédios por uma técnica em enfermagem, esta semana, em Belo Horizonte, não está sozinho.

Uma cadeia de erros, que começa na identificação dos produtos pela indústria, passa pela prescrição do medicamento e segue até a chegada do remédio ao paciente, põe em risco a vida dos que procuram unidades de saúde em busca de tratamento e cura. O drama de Alan, que ingeriu ácido em vez de sedativo para fazer um exame de tomografia, acende o sinal de alerta sobre as possíveis deficiências de formação de técnicos em enfermagem e enfermeiros responsáveis pela aplicação dos remédios nos pacientes. Além disso, traz à tona a sucessão de falhas que envolve a medicação, desde a prescrição médica até a distribuição dos produtos pelas farmácias.

"O erro de medicação é apenas uma parte do problema. Tudo começa nas escolas, que não preparam os profissionais. Pode-se contar nos dedos de uma única mão as universidades que têm disciplinas voltadas para a segurança. Médicos, farmacêuticos e enfermeiros aprendem sobre isso na prática e, por isso, os hospitais precisam traçar normas e criar barreiras para que os erros não ocorram", explica o presidente do Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamentos, Mário Borges Rosa.

Pesquisa

Autor de uma tese de doutorado sobre a mortalidade relacionada aos erros de prescrição de medicamentos, Borges aponta para um cenário preocupante em Belo Horizonte. Uma pesquisa feita em três hospitais públicos da capital, entre 2007 e 2010, investigou o uso de dois remédios: cloreto de potássio, usado no tratamento da desidratação, e heparina, um anticoagulante. No primeiro caso, o índice de erro no uso do cloreto de potássio foi de 97,3%. No caso da heparina, 74% das prescrições tinham problema. O estudo ainda analisou o efeito de medidas de segurança para a redução das falhas e constatou que a padronização da prescrição médica, a informatização das farmácias e a colocação de alerta nos medicamentos considerados potencialmente perigosos foram as que surtiram maior efeito.

"A tendência é de que o técnico em enfermagem, que aplica o medicamento no paciente, leve a culpa. Mas nenhum ser humano consegue ter 100% de atenção o tempo todo. Por isso, além do treinamento e da capacitação dos profissionais, é preciso criar barreiras para impedir erros", diz Mário Borges. Na prática, isso significa, segundo ele, investir na informatização do sistema de prescrição e distribuição de remédios, colocação de códigos de barra nos medicamentos e criação de um padrão de trabalho nos hospitais.

O alto índice de erros que põe em risco a segurança dos pacientes em unidades de saúde levou a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), responsável pela gestão de 20 instituições, a criar um programa de gerenciamento de risco. A iniciativa tem como objetivo principal acabar com a subnotificação das falhas e determinar ações de correção. "Como há tendência de procurar culpados para puni-los, o ser humano tende a se omitir. Queremos que nossos funcionários se sintam à vontade para notificar falhas, pois a segurança do paciente depende disso. Para cumprirmos as metas internacionais, é preciso garantir a identificação de pacientes, a comunicação efetiva de resultados de exames e, em troca de plantões, criar sistemas de alerta para medicamentos potencialmente perigosos e assegurar procedimentos médicos corretos", explica a coordenadora do Núcleo de Risco da Fhemig, Erika de Oliveira Santos.

Distração


O Conselho Regional de Medicina/ Minas Gerais (CRM/MG) é taxativo ao condenar os erros por medicação. "A falha ocorre por distração da pessoa que administra o medicamento, o que é responsabilidade da enfermagem. A formação desse profissional não tem sido qualificada. Percebemos um aumento desse tipo de engano e constatamos que as pessoas que executam esses serviços estão mal remuneradas e sobrecarregadas. Além da capacitação, a atividade exige concentração", diz o presidente do CRM/MG, João Batista Soares.

Apesar das críticas aos enfermeiros e técnicos em enfermagem, João Batista reconhece problemas em outras etapas. "Para que tudo dê certo, é importante que a prescrição médica seja clara e legível, dentro dos padrões estabelecidos. O problema envolve também a indústria farmacêutica, que deveria identificar os produtos de maior risco com tarja diferenciada."

Procurado pelo Estado de Minas, o Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (Coren-MG) informou, por meio de nota, que "toda denúncia que chega ao conhecimento da autarquia federal abre-se um processo administrativo para apuração dos fatos. Havendo indícios de que houve erros e falhas, é aberto processo ético para elucidação do caso, atendendo ao princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório. Ao final do processo, se ficar constatado que houve erro, a punição será feita de acordo com a gravidade do fato". Segundo o Coren, as penalidades cabíveis são advertência verbal, suspensão e cassação do exercício profissional.

CAMINHO DOS REMÉDIOS

1) O médico faz a prescrição de remédios:Nessa etapa, especialistas alertam que os principais problemas são a legibilidade da letra do profissional; o uso de abreviaturas e a falta de padronização na prescrição.

2) A farmácia recebe a receita médica: Cabe ao farmacêutico separar e identificar os medicamentos, rever todas as prescrições antes de serem liberadas para a enfermagem e checar os remédios já separados e prontos para serem enviados para a administração pela enfermagem. Nessa etapa, os principais problemas são a semelhança entre frascos e embalagens de medicamentos distintos e a dificuldade de compreensão da prescrição médica.

3) Os enfermeiros recebem os medicamentos e repassam aos técnicos em enfermagem responsáveis pela administração. Nessa etapa, os principais problemas são a deficiência de formação dos técnicos de enfermagem e a sobrecarga de trabalho desses profissionais.

Fonte: Instituto de Práticas Seguras no Uso de Medicamentos (ISMP Brasil) e Conselho Regional de Medicina - Minas Gerais (CRM- MG)


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