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Estado de Minas Morte S/A

Ex-agente funerário revela táticas usadas por empresas para obter vantagens de famílias

Disfarce de assistente social é estratégia mais comum


30/10/2011 07:26 - atualizado 30/10/2011 08:29

Baltazar (nome fictício) no Cemitério da Paz, no Bairro Caiçara: até métodos para cansar famílias são usados
Baltazar (nome fictício) no Cemitério da Paz, no Bairro Caiçara: até métodos para cansar famílias são usados (foto: Beto Novaes/EM/DA Press)


Cansado de uma rotina de 20 anos disputando cadáveres em hospitais e prontos-socorros com outras funerárias, um homem que atuou como agente e chegou até a ter um estabelecimento fúnebre conta como funcionam o que ele chama de “quadrilhas” que tiram vantagens financeiras de pessoas desesperadas. “O sofrimento de quem perdeu um familiar e não tem tanto conhecimento do processo de enterro e funeral é o que move esse mercado”, define o senhor, de pouco mais de 50 anos. Temendo ser morto por integrantes desses grupos criminosos, que contaria inclusive com a ação de policiais, ele pediu para ser identificado pelo nome fictício de Baltazar.


O disfarce de assistente social, ele diz, é o mais comum. “Alguns enfermeiros e auxiliares ligam para as funerárias antes de os corpos serem liberados de UPAs e hospitais menores. Passam os contatos dos familiares dos mortos e recebem comissão. Há médicos e assistentes que até preferem que os urubus (como trata os agentes que usam métodos ilegais para conseguir mais sepultamentos) tratem com os parentes. É menos uma obrigação no dia cheio deles”, conta.

Nesse negócio, segundo Baltazar, as roupas e a sala das funerárias têm de dar a impressão de ser partes próprias da instituição hospitalar. “Quando vêm, os urubus já estão com um catálogo com caixões para serem escolhidos, velas, coroas de flores, dizeres, trajes. Tudo do mais caro possível. Às vezes o cadáver vai ser enterrado no dia seguinte, mas eles conseguem lucrar vendendo tratamentos para conservação de corpos, indicados apenas para velórios que vão demorar dias ou serão em outras cidades”, revela.

Promessa de transparência

O Hospital Odilon Behrens enviou um contrato por meio de sua assessoria de imprensa que especifica como obrigação da Funerária Santa Casa os funerais de indigentes e carentes, além da eliminação de membros amputados e órgãos. Porém, ainda que não previsto no contrato enviado, a assessoria confirmou que todos os óbitos são encaminhados para a empresa privada, mas que eles são obrigados a informar que não há obrigação de se fazer o serviço pela Santa Casa. Para evitar mais confusões, os funcionários seriam avisados e banners seriam afixados com essas informações pelos corredores. A assessoria de imprensa da Santa Casa informou que não recebe todos os parentes de mortos e que seus funcionários são treinados para deixar bem claro que o serviço funerário é inteiramente opcional. A Funerária Central nega que tenha recebido mortos que deveriam ir para o IML e afirma não ter médicos atuando para lavrar atestados em suas dependências.

O Lifecenter informou por meio de comunicado que dispõe, em seu andar térreo, da Sala da Família e do necrotério, onde são direcionadas todas as demandas referentes a óbitos. Seria um “local reservado no qual disponibilizamos o serviço funerário (terceirizado), a exemplo da maioria dos hospitais de BH”. Informou ainda que o prestador de serviços funerários seria questionado e “qualquer conduta inoportuna é passível de penalidades e não será tolerada”. Segundo a assessoria de imprensa do Conselho Regional de Medicina, médicos que vendem certidões e participam de procedimentos ilegais nas funerárias podem ser submetidos a investigações e sofrer restrições ao exercício da profissão. A Polícia Civil informou que não foram encontrados os registros de remoções de corpos das vítimas que acusam os rabecões de terem levado os falecidos para as funerárias, mas pede que as denúncias sejam registradas. A Prefeitura de BH também tacha de irregular a colaboração de funcionários de UPAs com funerárias. (MP)

Cansaço

Quando o parente de um morto resiste, entram em ação métodos para cansá-los e depois confundi-los. “Fazem de tudo. Somem com os documentos do morto. Atrasam a assinatura dos formulários. Com isso, ganham quase 12 horas. A pessoa fica exausta. O corpo começa a inchar. Falam que até a outra funerária chegar, o corpo vai ficar deformado, que o carro da funerária vai furar o pneu, que a ponte pode cair”, ironiza. “Os hospitais fazem vista grossa. Sei de uma funerária, por exemplo, que deu três ambulâncias para um hospital”.

Antes de chegar ao necrotério, alguns corpos começam a ser disputados por agentes funerários. “Dentro do próprio rabecão os policiais oferecem serviços funerários. Usam a confiança na corporação para indicar serviços melhores. O golpe aqui é não levar o corpo ao Instituto Médico Legal (IML)”, conta. Toda vítima de acidente ou morte violenta precisa ser periciado pela medicina legal. Só que as pessoas podem requisitar que um médico dê o atestado de óbito em casa. “Os policiais entregam o corpo para as funerárias e um médico deles é quem assina o óbito. Quando você paga a funerária, ele ganha uma porcentagem e o policial também”, afirma. (MP)

Projeto disciplina funerárias

Tramita em segundo turno na Câmara Municipal de Belo Horizonte o Projeto de Lei 1.577/2011, de autoria do vereador Wagner Messias, o Preto (DEM), que visa obrigar que os hospitais entreguem diretamente a familiares os atestados de óbitos e quaisquer outros documentos relativos aos mortos. “Apenas os familiares poderão receber esses documentos, ficando assim livres para escolher a empresa que desejarem para fazer o funeral”, disse o vereador. De acordo com Preto, ele mesmo foi vítima da ação de funerárias e hospitais. “Quando meu pai morreu, fomos procurar saber e o corpo dele estava na funerária, com os procedimentos todos já até sendo feitos. Isso é uma falta de respeito. Mandamos parar tudo e tiramos ele de lá”, conta.

Veja como agem alguns funcionários de funerárias em hospital



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