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Estado de Minas

Flanelinhas privatizam a região da Savassi, em BH

Depois de denúncias e de reação inicial da fiscalização, sensação de terra sem lei volta a reinar na região nobre, com extorsão de guardadores de carros e desrespeito de motoristas


postado em 24/10/2011 06:15 / atualizado em 24/10/2011 07:42

Espreitando em esquinas escuras, das quais surgem para interferir no tráfego, transformar em estacionamento áreas públicas em reforma ou extorquir quem precisa de vagas, os flanelinhas privatizaram o trânsito noturno dos quarteirões da Savassi, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Os espaços da área nobre, um dos símbolos da capital mineira, são regidos por esses “agentes paralelos” de trânsito, e acabam dominados para atender o seu lucro. Apesar de sucessivas denúncias, como as que vêm sendo publicadas pelo Estado de Minas desde quarta-feira, tudo ocorre à revelia da fiscalização da Polícia Militar e da Guarda Municipal, lentas demais para coibir abusos em tantos locais. Os desamandos foram constatados pelo EM em duas noites no fim de semana. Quando a PM finalmente age e aborda os clandestinos, que sequer usam colete de “licenciados”, descobre que muitas vezes são criminosos procurados travestidos de guardadores.

As corporações até circulam pela região e ampliaram a ação desde a semana passada, quando reportagem do Estado de Minas mostrou que os quarteirões fechados e em revitalização da Praça Diogo de Vasconcelos vinham sendo depredados e transformados em estacionamento clandestino. Mas quem passa pela região à noite constata que a ocupação ilegal da praça é apenas o ponto alto de uma situação sem controle. “A ausência do poder público é que possibilita esses constrangimentos à população e a apropriação do espaço público. As forças de segurança e de trânsito sabem e têm mapeadas essas ações, mas só agem pontualmente, permitindo que esses clandestinos atuem quando os fiscais vão embora”, avalia o especialista em segurança pública Robson Sávio Reis Souza, da organização não governamental Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Na noite e na madrugada da sexta-feira e de sábado equipes do EM percorreram os quarteirões que compõem a Savassi e testemunharam o domínio dos guardadores de veículos e os abusos que cometem. A situação é mais absurda no movimentado quarteirão da Rua Sergipe, entre as ruas Tomé de Souza e Antônio de Albuquerque. Ali, no lado esquerdo do sentido do fluxo, a placa de trânsito é clara: depois das 20h o estacionamento deixa de ser paralelo e passa a funcionar em 45°. Medida para atender quem precisa parar o carro na área – onde há seis bares em apenas um quarteirão – sem prejudicar o tráfego na via de três faixas. Contudo, já às 18h30 os guardadores começam a organizar o estacionamento em 45°. Sem fiscalização, sentem-se à vontade para garantir um lucro maior enfileirando o máximo de veículos possível, ainda antes do fim do happy hour de sábado, geralmente às 20h.

O “dono” do quarteirão ali é um rapaz alto, com touca, bigodes e fisionomia ameaçadora. Assim que um carro sai da vaga, ele orienta o próximo a manobrar e estacionar em 45°. No momento da parada, ele se aproxima dos motoristas, a maioria jovens, casais de namorados e grupos de amigos. Quando são homens, pede um “trocado” para vigiar. Com mulheres e jovens mais franzinos, o tom da abordagem engrossa e o valor começa a ser estipulado. “Deixa ‘dezinho’ (R$ 10) aí agora, que depois fica tranquilo quando você voltar”, insinua.

Ao estacionar os carros daquela forma, o guardador consegue alinhar 40 veículos. Quase o dobro das 22 vagas de estacionamento paralelo que são permitidas até as 20h. Do outro lado, onde o estacionamento é ao lado do meio fio, cabem 19 automóveis de passeio. O movimento intenso e os públicos distintos permitem fazer um cálculo aproximado de quanto esses agentes ilegais podem faturar em pouco mais de seis horas, entre o início da noite e o começo da madrugada: quase R$ 900.

O movimento engrossa no fim da tarde, com o happy hour, seguido da chegada dos frequentadores de bares, a partir das 20h, e então, das 23h em diante, a movimentação de quem procura as boates da Tomé de Souza e da Antônio de Albuquerque. Para fazer uma estimativa do ganho desses agentes clandestinos, se cada vaga, durante a noite e a madrugada, for usada por três carros, e cada um pagar o mínimo, que gira em torno de R$ 5, o lucro dos donos daquela rua chegaria a R$ 885, com o manejo de 177 veículos.

Quando percebeu que a reportagem registrava o estacionamento em 45° uma hora e meia antes do determinado pela placa, o homem se aproxima e tenta intimidar: “Manda seu colega parar de ‘filmar’. Aqui pode parar assim”, alega, tentando confundir.

A chuva fria da noite de sábado aumentou a ansiedade por um lugar para estacionar próximo a boates e bares. Mais combustível para a ganância dos guardadores, que passaram a oferecer até vagas de idosos e de pessoas portadoras de necessidades especiais. A “garantia”, segundo eles, é a sua própria presença, desde que satisfatoriamente remunerados. Se a BHTrans não aparece, a sensação do cliente é a de que o serviço do guardador é bom. Ele recebe, se já não tiver sido pago anteriormente, e as pessoas se veem estimuladas a prosseguir usando o serviço.

Na noite de sábado, porém, quem pagou adiantado ao guardador de carros para estacionar em vagas de deficientes, na Rua Antônio de Albuquerque, perdeu o dinheiro e não encontrou o carro na volta. O guincho da BHTrans passou pelos flanelinhas, lacrou as portas dos carros e os rebocou para o pátio, deixando para trás apenas um adesivo avisando sobre a remoção. Uma fiscalização pontual, insuficiente para resolver o problema.

 

Resposta foi momentânea

A ação de flanelinhas, a falta de educação de motoristas e a omissão do poder público na Praça Diogo de Vasconcelos, na Savassi, antes mesmo do fim da reforma do espaço, foram mostradas a partir da última quarta-feira pelo EM, que divulgou fotos de fileiras de carros estacionados sobre os pisos recém-assentados dos quarteirões fechados. A Polícia Militar e a Guarda Municipal responderam nos dias seguintes, ocupando parte dos quarteirões e anotando infrações por toda região. Das 13h às 17h de quinta-feira, apenas o Batalhão de Polícia de Trânsito aplicou 246 multas (média de uma por minuto), principalmente por estacionamento irregular. Mas, no fim de semana, a fiscalização relaxou, os donos da rua se sentiram à vontade para agir e o desrespeito voltou a ocupar seu espaço.


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