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Estado de Minas

Moradora se nega a sair de casa e barra obra de R$ 115 milhões em BH

Entrincheirada em sua casa, com três cachorros que trata como filhos, costureira é o último obstáculo à ligação entre a Avenida Pedro II e a Pampulha, após demolição de milhares de barracos na Vila São José. Trecho receberá tráfego estimado em 85 mil veículos


postado em 01/09/2011 01:00 / atualizado em 01/09/2011 06:05

 

Costureira resiste no imóvel:
Costureira resiste no imóvel: "Falei que, se me deixassem ficar, mandava fazer um muro novo e bem bonito e um passeio na beira da avenida que vão abrir. Se costurar muito e pedir ajuda de parentes vou conseguir" (foto: Beto Magalhães/EM/D.a Press)

 

Ela tem menos de um metro e sessenta. A voz rouca da costureira embala uma fala mansa e acompanha o olhar tímido de quem faz 70 anos em dezembro, mas não tem filhos ou marido com quem comemorar. A paixão de dona Dalva, “seus filhos”, como os chama, são três cãezinhos: Pichulinha, Rosinha e Reque. Mas essa mulher humilde e de aparência frágil barra a passagem de máquinas pesadas a serviço da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e é a última barreira, entre os remanescente da demolição da Vila São José, para a ligação das avenidas Pedro II, Tancredo Neves e João XXIII, uma obra arrojada, prometida há décadas, que custa R$ 115 milhões e gastou R$ 26 milhões apenas com desapropriações.

A obra foi iniciada em 2007, prometida para dezembro de 2010, depois para novembro deste ano. Na terça-feira, o prefeito Márcio Lacerda (PSB) definiu a intervenção, que segundo seus cálculos fica pronta em dezembro, como o “presente de aniversário para a cidade”, que completa 114 anos no dia 12 do último mês do ano.

A importância das intervenções é grande. Pela ligação entre as três vias, espera-se que o trânsito das regiões Pampulha e Noroeste seja aliviado e possa fluir melhor na ligação com o Centro, desafogando outras vias arteriais da cidade, como as avenidas Antônio Carlos, Carlos Luz e Abílio Machado. A intervenção vai beneficiar também o entorno de bairros como Castelo, Serrano, Santa Terezinha, Paquetá, Conjunto Celso Machado e parte de Contagem, na Grande BH. De acordo com a prefeitura, passam diariamente pela Pedro II e Tancredo Neves 85 mil veículos.

“Eu me encontrei com o ex-prefeito Pimenta da Veiga (gestão 1989/1990) e ele me disse que essa obra era o maior objetivo de sua administração, mas que, na época, não conseguiu realizá-la. Agora, será o presente para BH”, prometeu Lacerda, durante o discurso de assinatura das ordens de serviço das obras de mobilidade para a Copa do Mundo. Ele só não contava com a persistência de dona Dalva.

Mesmo sozinha na paisagem desolada, onde agora predomina a terra vermelha no lugar em que se enfileirava uma intrincada rede de barracos, a costureira se agarra aos cães e teima em não deixar sua moradia. “Não quero sair do meu cantinho. Fico aqui quietinha se me deixarem”, afirma a mulher, que mora há 15 anos no lugar. Dalva é o apelido pelo qual todos a conhecem. Nasceu Leonilda de Souza, na cidade de Salinas, no Norte de Minas, a mais de 660 quilômetros de onde hoje fincou pé. Quando chegou à vila, arranjou um marido que a deixou três meses depois. Desde então, sua paixão são os cães que cria e as ervas que cultiva em vasos do quintal e do jardim. Entre as taiobas, guinés, pimentas e alecrins, ela reclama da poeira da obra que invade a casa.

Dona Dalva conta que até se sentou no chão quando os engenheiros da Empresa Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel) foram até a casa dela, para dizer que a construção precisava sair do caminho da obra. “Eles me ofereceram um apartamento, mas para lá não posso levar meus filhos”, disse, referindo-se a Pichulinha, Rosinha e Reque. “Depois, avaliaram minha casa em R$ 36 mil”, completou.

Por causa do tráfego intenso de tratores, patrolas e caminhões pesados pela obra, o muro da casa de Dona Dalva desmoronou. Ela não esmoreceu: mandou colocar uma cerca de tela de arame e a preencheu com telhas de amianto que encontrou entre os destroços deixados para trás pelos vizinhos. Por causa do que aconteceu, pensou ser uma boa ideia negociar com os técnicos da Urbel. “Falei com eles que, se me deixassem ficar na minha casa, mandava fazer um muro novo e bem bonito e um passeio na beira da avenida que vão abrir. Ainda não me deram resposta, mas sei que se costurar muito e pedir a ajuda dos parentes lá de Salinas posso fazer isso”, planeja.

Enquanto a obra não sai, as ligações entre as avenidas Tancredo Neves e João XXIII com a Pedro II e o Anel Rodoviário continuam sendo feitas por dentro dos bairros Jardim Alvorada, Jardim Montanhês, Alípio de Melo e Primavera, em um tumultuado labirinto de ruas, a cada dia mais congestionadas nos horários de pico.

De acordo com a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), as negociações continuam, mas nenhuma moradia atrapalhará o cronograma de entrega da ligação das avenidas em dezembro.

A obra, que do total de R$ 115 milhões tem R$ 11,5 milhões de contrapartida da PBH, foi a primeira a ser iniciada na cidade com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. Além da ligação das vias, contemplou a implantação de redes de água e esgoto, abertura e urbanização de ruas, áreas de lazer e convivência e a canalização de um trecho do Córrego São José. Mas sua principal promessa, a “avenida que vão abrir”, tem em seu caminho a casa de dona Dalva. Que não parece disposta a arredar pé do seu “cantinho”.


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