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Estado de Minas SERTÃO GRANDE

Comércio agora mantém o sertanejo em casa

Varejo no Norte de Minas comemora renda maior e cresce acima da média nacional


postado em 26/03/2012 06:30 / atualizado em 26/03/2012 07:34

A agente comunitária Claionice Fernandes Machado e João Paulo Barbosa, proprietário do supermercado de Chapada Gaúcha, exibem as novas veredas do sertão (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
A agente comunitária Claionice Fernandes Machado e João Paulo Barbosa, proprietário do supermercado de Chapada Gaúcha, exibem as novas veredas do sertão (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Januária e Chapada Gaúcha
– O projeto de vida de Zé Bebelo, o jagunço politizado do romance que desejava se mudar para a capital para se bacharelar em direito e “mover com comércio”, é o clássico exemplo da migração brasileira do século passado, quando o sertanejo, quase sempre sem opção de trabalho e boa renda, rumava para a capital. Hoje, se o personagem fosse de carne e osso, teria grande oportunidade de se empregar no varejo ou se bacharelar em direito no próprio sertão. Faculdades não faltam mais por aquelas bandas. Já o comércio, na carona da indústria, com dezenas de empresas se instalando na região, ajuda municípios do Norte a gerar vagas de emprego em percentuais acima das médias nacional e estadual.

Dados do Ministério do Trabalho e Emprego mostram que, em 2011, as vagas formais no comércio subiram 5,71% no país e 5,73% em Minas. No mesmo ano, a geração de empregos no varejo em várias cidades percorridas por Zé Bebelo e seu bando alcançou percentuais maiores. Destaque para Porteirinha (21,52%), Capelinha (12,22%), Salinas (11,5%), Janaúba (11,28%), Januária (10,38%), João Pinheiro (9,29%), Bocaiuva (8,19%), Pirapora (7,88%), Montes Claros (7,87%), Paracatu (7,64%), Curvelo (7,63%) e Brasília de Minas (6,24%). O comércio é tema da segunda reportagem da série Sertão Grande, que o Estado de Minas começou a publicar ontem.

Os índices apurados no sertão mineiro se devem à redução do juro, ao crédito facilitado e às estratégias criadas por lojistas, como fizeram empresários do ramo de eletrodomésticos de 25 cidades do Norte. O grupo se uniu para comprar produtos em grande quantidade, ganhando poder de barganha com a indústria. Resultado: conseguiu mercadorias com 8% de desconto e dilatação no prazo de pagamento. As vantagens foram repassadas aos clientes, impulsionando vendas e gerando postos de trabalho. “Empregava 11 pessoas há quatro anos, quando nos organizamos. Hoje tenho 20 ajudantes”, comemora Alfredo Ribeiro, dono da Amaro Imóveis, que funciona em Januária.

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Em 2011, seu faturamento subiu 15% em relação a 2010. Para 2012, Ribeiro espera percentual de crescimento ainda maior. O comerciante Alessandro Gonzaga, da concessionária Star Motos, contratou 10 pessoas nos últimos seis meses. Em fevereiro, ele vendeu 71 motos. “Bati meu recorde de vendas. É bom lembrar que fevereiro tem menos dias que os demais meses e, neste ano, ainda foi ‘prejudicado’ pela semana do carnaval. Ainda assim, a loja vendeu muito”, ressaltou Alessandro, que já abriu pontos de vendas em cinco cidades da região: Varzelândia, Itacarambi, São Francisco, Montalvânia e Brasília de Minas.

Dinheiro próprio

Uma curiosidade ajuda a movimentar o comércio de um município do sertão. Em Chapada Gaúcha, a 730 quilômetros de BH, o varejo aceita a vereda, moeda alternativa ao real, criada em 2009 com autorização do governo federal para circular exclusivamente na cidade, uma das mais novas do estado. O lugarejo foi fundado em 1995, 39 anos depois da publicação de Grande sertão: veredas. O nome do dinheiro paralelo não é mera coincidência. Os jagunços criados por Guimarães Rosa percorriam a região constantemente.

Numa das passagens do livro, o jagunço Riobaldo, personagem principal, declama versos que pareciam profetizar a criação do município e a da moeda alternativa: “Trouxe tanto este dinheiro, o quanto, no meu surrão (bolsa), p’ra comprar o fim do mundo no meio do Chapadão”. A primeira moeda alternativa surgiu no Brasil, em 1998, por meio da fundação do Banco Palmas, que atua numa comunidade de Fortaleza (CE). Atualmente, mais de 60 cidades ou bairros do país têm o próprio dinheiro. Em Minas, o Banco Comunitário Chapadense é o primeiro do gênero.

Esse tipo de moeda é criada em regiões carentes ou com dificuldade de acesso a serviços bancários. O comerciante que recebe as veredas pode trocá-las por valor correspondente, em real, no banco comunitário. “Cada vereda corresponde ao mesmo valor em real. Por ano, circulam cerca de 300 mil veredas na cidade. Há notas de 1, 2, 5, 10 e 20. Também de 25 e 50 centavos de vereda”, diz Claionice Fernandes, agente do Chapadense.

A lojista Genilza Santos Gomes, dona da GS Modas, conta que 60% de suas vendas são feitas em veredas: “No início, a população era resistente às veredas. O tempo, porém, mostrou que a moeda veio para ajudar nossa economia”. No supermercado de Paulo Barbosa de Sena, “as vendas cresceram 30% desde a implantação da moeda alternativa”.

Rosianas
- O uísque, a cachaça e o diabo

Andrequicé é um distrito de Três Marias, onde morou Manuelzão. O povoado, hoje cercado por plantações de eucaliptos da Gerdau e de outras empresas, foi escolhido pelo vaqueiro para o primeiro pernoite da comitiva que levava gado de Barreiro Grande a Araçaí. O casebre em que ele morou se tornou um dos principais museus da região (foto abaixo), visitado anualmente por milhares de turistas. Os visitantes ajudam a movimentar o comércio do lugarejo.

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Um dos estabelecimentos beneficiados é o de Márcia Alves Macedo (foto ao lado), sobrinha do vaqueiro. Na parede do imóvel, dois quadros do tio famoso, que adorava, conta ela, degustar “uma barrileira”, como são conhecidas as cachaças servidas em barris. Hoje, porém, ela também negocia uísque, consumido tanto por turistas quanto por alguns moradores. “A dose de barrileira custa R$ 1. Já a do uísque Natu Nobilis (fabricado no complexo industrial de Suape-PE) sai a R$ 5. Como o sertão mudou!” João Guimarães Rosa, que gostou do distrito, decidiu citá-lo em Grande sertão: veredas, durante uma das várias passagens que tratam de religião: “Do demo? Não gloso. (…) Ainda o senhor estude: agora mesmo, nestes dias de época, tem gente porfalando que o diabo próprio parou, de
passagem, no Andrequicé”.

21,53%

Foi o que cresceu a geração de empregos no varejo em Porteirinha em 2011

300 mil

É a circulação anual de veredas, dinheiro próprio de Chapada Gaúcha

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