A transição para uma economia mais verde poderia gerar entre 15 e 60 milhões de novos empregos em nível mundial nas próximas duas décadas e tirar dezenas de milhões de trabalhadores da pobreza, segundo relatório da ONU. Nos Estados Unidos, três milhões de pessoas têm empregos relacionados com produtos e serviços ambientais. Na Espanha, existem atualmente mais de meio milhão de empregos e o Brasil já criou cerca de três milhões, respondendo por cerca de 7% do emprego formal. O novo modelo pode trazer um aumento de renda individual superior às trajetórias previstas pelos modelos econômicos tradicionais, ao mesmo tempo em que reduziria à metade a "pegada ecológica" per capita da humanidade até 2050. Ou seja, seria possível crescer mais e melhor. Nesta entrevista para a série especial Desafios de Minas, o filósofo e diretor do CMRR mostra a importância dos catadores de materiais recicláveis para o modelo de reciclagem brasileiro, considerado pelas Nações Unidas como exemplo mundial da economia verde. Aparecido Gonçalves, o Cido, conta que a valorização e melhor remuneração desses trabalhadores pode construir o tão sonhado PIB sustentável e inclusivo.
Estado de Minas: Por que a situação dos catadores de material reciclável deve ser observada nas grandes cidades?
Cido Gonçalves: Porque por trás de uma situação de preconceito e anonimato, existe uma grande prestação de serviços para a sociedade e para o meio ambiente. Na época em que fui secretário executivo da Cáritas Brasileira, ainda na década de 80, conheci o trabalho dos catadores e da população de rua. Sofri um impacto muito forte e fiquei muito incomodado com o fato de ver essas pessoas puxando carroças cheias de material reciclável na rua e serem confundidas com mendigos e marginais.
E.M.: E o que tem sido feito para alterar essa realidade?
C.G.: Temos que olhar para os catadores como pessoas que prestam um serviço para o ambiente urbano e Minas Gerais, mais uma vez, é vanguarda. Em uma articulação conjunta com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), foi criada a Política da Bolsa Reciclagem, como uma forma de reconhecer os serviços ambientais prestados pelas associações e cooperativas mineiras.
A lei estadual 2.122/11 foi sancionada em novembro de 2011, o comitê gestor foi criado agora em junho, contando com três catadores e representantes do Ministério Público, e agora estamos na fase de cadastro de todas as organizações de catadores do Estado.
De acordo com a política, por meio da comprovação com recibos e notas de venda do material que retorna ao mercado como matéria-prima, há um repasse de recursos que deve ser dividido entre 10% para a gestão do empreendimento e 90% para os catadores, de acordo com a produção. Já estão previstos R$3 milhões para esse pagamento no orçamento do governo do Estado de 2012. Isso significa a valorização dos catadores e um incentivo para que eles cresçam no mundo do trabalho, criando um PIB local e sustentável. Quanto maior for a contribuição deles, maior o ganho para todos.
E.M.: No relatório estratégico - "Rumo a uma economia verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza", a ONU coloca o modelo brasileiro de reciclagem como referência. Em que medida a valorização dos catadores afeta esse cenário?
C.G.: Afeta na medida em que esse modelo significa a implementação da economia verde. Em Belo Horizonte, cerca de 1600 pessoas vivem da coleta de material reciclável. Em Minas, o número sobe para 40 mil. No Brasil, as estimativas são de que entre 600 e 800 mil pessoas vivem diretamente desta coleta. Sem esses trabalhadores, certamente o custo dos serviços de limpeza urbana seria muito mais alto. Se cada pessoa consegue coletar e triar cerca de duas mil toneladas por mês, e temos pelo menos 600 mil pessoas, chegamos a um bilhão e 200 milhões de toneladas de resíduos que podem ser reaproveitados e deixam de ser descartados inadequadamente.
Eles estão solucionando um problema que sai de dentro das nossas casas e empresas. E muitas vezes não nos damos nem ao trabalho de separar o lixo seco do lixo molhado, por exemplo. Para que esse setor, verdadeiro indicador da economia verde, cresça em números, é preciso aperfeiçoar o procedimento de organização dos trabalhadores, estabelecer uma nova forma de relacionamento com as prefeituras e conquistar maior apoio da sociedade na separação do material. Se reunirmos poder público, catadores e sociedade, temos um modelo altamente sustentável.
E.M.: E esse modelo já vem ganhando reconhecimento?
C.G.: Sim, o que é um vitória, já que essa é a principal dificuldade para a categoria. O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), que existe há mais de dez anos, já tem reconhecimento do governo federal e das secretarias estaduais. Isso facilita a articulação dos catadores na defesa de seus interesses. Mas permanece o aspecto negativo da remuneração. Se esse mesmo trabalho fosse realizado por uma empresa privada, ela cobraria pelo turno e roteiro de coleta, pela triagem e destinação final. Não basta reconhecer o modelo, é preciso que os governos, conscientes dessa realidade, invistam em assistência técnica e infraestrutura, para que os catadores possam ter, de fato, dignidade; e façam a construção de indicadores da economia verde em uma atividade considerada alternativa.
Um dos aspectos envolvidos é a tributação. O Centro Mineiro de Referência em Resíduos (CMRR) realizou agora em maio a série Diálogos de 2012, com o tema “A tributação do ICMS sobre os resíduos recicláveis”, que tratou da dupla cobrança de tributos que incide sobre os materiais que são reciclados – por catadores e/ou pelo poder público – e, quando voltam a ser matéria-prima, são taxados novamente. A inspiração para o tema deste debate veio de um Projeto de Lei (PL) em tramitação no Rio de Janeiro que defende a redução da carga tributária para produtos reciclados.
Governo, sociedade e catadores precisam interagir. Todo os anos, o CMRR organiza, junto com os catadores, o Festival de Lixo e Cidadania, para movimentar essa consciência. Em setembro de 2012, a 11ª edição do evento vai trazer um intercâmbio com a região espanhola da Catalunha, que tem uma rica experiência na gestão de resíduos.
Saiba mais sobre o Centro Mineiro de Referência em Resíduos: https://www.cmrr.mg.gov.br/
Estado de Minas: Por que a situação dos catadores de material reciclável deve ser observada nas grandes cidades?
Cido Gonçalves: Porque por trás de uma situação de preconceito e anonimato, existe uma grande prestação de serviços para a sociedade e para o meio ambiente. Na época em que fui secretário executivo da Cáritas Brasileira, ainda na década de 80, conheci o trabalho dos catadores e da população de rua. Sofri um impacto muito forte e fiquei muito incomodado com o fato de ver essas pessoas puxando carroças cheias de material reciclável na rua e serem confundidas com mendigos e marginais.
E.M.: E o que tem sido feito para alterar essa realidade?
C.G.: Temos que olhar para os catadores como pessoas que prestam um serviço para o ambiente urbano e Minas Gerais, mais uma vez, é vanguarda. Em uma articulação conjunta com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), foi criada a Política da Bolsa Reciclagem, como uma forma de reconhecer os serviços ambientais prestados pelas associações e cooperativas mineiras.
A lei estadual 2.122/11 foi sancionada em novembro de 2011, o comitê gestor foi criado agora em junho, contando com três catadores e representantes do Ministério Público, e agora estamos na fase de cadastro de todas as organizações de catadores do Estado.
De acordo com a política, por meio da comprovação com recibos e notas de venda do material que retorna ao mercado como matéria-prima, há um repasse de recursos que deve ser dividido entre 10% para a gestão do empreendimento e 90% para os catadores, de acordo com a produção. Já estão previstos R$3 milhões para esse pagamento no orçamento do governo do Estado de 2012. Isso significa a valorização dos catadores e um incentivo para que eles cresçam no mundo do trabalho, criando um PIB local e sustentável. Quanto maior for a contribuição deles, maior o ganho para todos.
E.M.: No relatório estratégico - "Rumo a uma economia verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza", a ONU coloca o modelo brasileiro de reciclagem como referência. Em que medida a valorização dos catadores afeta esse cenário?
C.G.: Afeta na medida em que esse modelo significa a implementação da economia verde. Em Belo Horizonte, cerca de 1600 pessoas vivem da coleta de material reciclável. Em Minas, o número sobe para 40 mil. No Brasil, as estimativas são de que entre 600 e 800 mil pessoas vivem diretamente desta coleta. Sem esses trabalhadores, certamente o custo dos serviços de limpeza urbana seria muito mais alto. Se cada pessoa consegue coletar e triar cerca de duas mil toneladas por mês, e temos pelo menos 600 mil pessoas, chegamos a um bilhão e 200 milhões de toneladas de resíduos que podem ser reaproveitados e deixam de ser descartados inadequadamente.
Eles estão solucionando um problema que sai de dentro das nossas casas e empresas. E muitas vezes não nos damos nem ao trabalho de separar o lixo seco do lixo molhado, por exemplo. Para que esse setor, verdadeiro indicador da economia verde, cresça em números, é preciso aperfeiçoar o procedimento de organização dos trabalhadores, estabelecer uma nova forma de relacionamento com as prefeituras e conquistar maior apoio da sociedade na separação do material. Se reunirmos poder público, catadores e sociedade, temos um modelo altamente sustentável.
E.M.: E esse modelo já vem ganhando reconhecimento?
C.G.: Sim, o que é um vitória, já que essa é a principal dificuldade para a categoria. O Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), que existe há mais de dez anos, já tem reconhecimento do governo federal e das secretarias estaduais. Isso facilita a articulação dos catadores na defesa de seus interesses. Mas permanece o aspecto negativo da remuneração. Se esse mesmo trabalho fosse realizado por uma empresa privada, ela cobraria pelo turno e roteiro de coleta, pela triagem e destinação final. Não basta reconhecer o modelo, é preciso que os governos, conscientes dessa realidade, invistam em assistência técnica e infraestrutura, para que os catadores possam ter, de fato, dignidade; e façam a construção de indicadores da economia verde em uma atividade considerada alternativa.
Um dos aspectos envolvidos é a tributação. O Centro Mineiro de Referência em Resíduos (CMRR) realizou agora em maio a série Diálogos de 2012, com o tema “A tributação do ICMS sobre os resíduos recicláveis”, que tratou da dupla cobrança de tributos que incide sobre os materiais que são reciclados – por catadores e/ou pelo poder público – e, quando voltam a ser matéria-prima, são taxados novamente. A inspiração para o tema deste debate veio de um Projeto de Lei (PL) em tramitação no Rio de Janeiro que defende a redução da carga tributária para produtos reciclados.
Governo, sociedade e catadores precisam interagir. Todo os anos, o CMRR organiza, junto com os catadores, o Festival de Lixo e Cidadania, para movimentar essa consciência. Em setembro de 2012, a 11ª edição do evento vai trazer um intercâmbio com a região espanhola da Catalunha, que tem uma rica experiência na gestão de resíduos.
Saiba mais sobre o Centro Mineiro de Referência em Resíduos: https://www.cmrr.mg.gov.br/
Acompanhe as atividades do Movimento Nacional dos Catadores: https://www.mncr.org.br/