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Estado de Minas DESAFIOS DE MINAS

Entrevista com Alexandre Magrineli dos Reis - Advogado e ambientalista

Assessor da Presidência do Centro Unesco-HidroEX, criador e editor do blog "Aldeia Comum"


postado em 31/05/2012 14:51 / atualizado em 01/06/2012 13:27

Nesta entrevista da série Desafios de Minas, o advogado e professor de Direito Ambiental define sua expectativa em relação à Rio+20 como um momento para traçar metas e prazos reais. Para ele, falta ao governo brasileiro, ao encabeçar uma iniciativa global por medidas de incentivo à economia, estabelecer um programa concreto de fomento à economia verde no Brasil.

Estado de Minas: Qual a sua expectativa em relação à Rio+20?
Alexandre Magrineli
: Espero que a Rio+20 supere as históricas posições divergentes entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e a falta de entendimento e de ações práticas, que marcaram as últimas grandes conferências, como a Rio+10 (2002, Johanesburgo, África do Sul) e a COP-15 (2009, Copenhague, Dinamarca). Além disso, tenho a expectativa de que se consiga traçar medidas objetivas, com valores e prazos definidos para ações efetivas no combate à degradação ambiental em todas as suas formas.

E.M.:Considerando os desafios ambientais que se colocam para Minas Gerais em relação ao cerrado, aos recursos hídricos e às atividades econômicas dominantes, quais são os principais impactos que a Rio+20 poderá ter para o Estado?
A.M.: Minas Gerais já tem executado, nos últimos anos, ações que se enquadram no que, atualmente, a ONU e outras instituições qualificam como “economia verde”. Espero que essas iniciativas sejam ampliadas e passem a contar com o apoio de outros setores envolvidos. Destaco a relação do Governo do Estado com as associações de catadores de materiais reciclados. A própria ONU, ao tratar da criação de empregos em seu relatório mais importante sobre a economia verde, qualifica os catadores de "agentes de mudança", ressaltando sua contribuição para o planeta quanto à resolução de uma ou mais questões ambientais. Minas Gerais já tem uma parceria de longa data com os catadores e, no final do ano passado, aprovou a Lei da Bolsa Reciclagem, possivelmente a primeira iniciativa concreta de pagamento por serviços ambientais (psa) em área urbana, que remunerará essas associações pelos resíduos coletados e comercializados. O trabalho do Unesco-HidroeX também merece destaque, parceria única no Brasil voltada para a pesquisa e capacitação em recursos hídricos no Brasil e países de língua portuguesa.

E.M.:Faltam poucos dias para a Rio+20 e a conferência tem sido alvo de críticas. Segundo ambientalistas, o evento teria perdido o foco original - em vez de debater temas ecológicos, trata dos desafios elementares do crescimento - emprego, moradia, energia, transportes. exclusão. Qual a sua opinião sobre isso?
A.M.: Penso que focar as discussões só em aspectos ambientais ou em aspectos econômicos não leva a nada. O equilíbrio que tentamos construir no conceito de desenvolvimento sustentável deve também existir nas temáticas que serão debatidas. Políticas ambientais que não possuam fontes de financiamento concreto ou que não consigam interferir efetivamente na economia de modo a estimular “ações verdes” acabam não saindo do papel. Políticas de crescimento econômico e geração de emprego e renda que não conseguirem internalizar a necessidade de proteção do meio ambiente e a nova realidade de uso reduzido dos recursos naturais e reciclagem de resíduos vão só prolongar a agonia de um modelo tradicional econômico que vem se arrastando de crise em crise, como a que o mundo vive atualmente.

E.M.: A Cúpula dos Povos também divulgou um documento de críticas em relação à economia verde, um dos principais temas da Rio+20. Qual a sua opinião sobre essa crítica e quanto à posição do governo brasileiro, que propôs a economia verde inclusiva?
A.M.:
Uma publicação interessante que li recentemente chama a economia verde de “lobo na pele de cordeiro”. Não acho que chegue a tanto, mas fato é que temos a prática da apropriação econômica de bens, serviços e ideias se repetindo sob novas formas ao longo da história. Neste contexto, uma economia que internalize os aspectos ambientais no seu processo de fabricação de produtos e fornecimento de serviços logicamente ainda visa ao ganho econômico. A economia verde deveria ser, então, entendida como uma etapa de transição para um modelo futuro que amplie a distribuição de renda e supere a pobreza. A posição brasileira pode ser resumida no estabelecimento de metas para inclusão, crescimento, proteção e preservação. Minha preocupação com o atual “boom” da economia brasileira é sobre o quanto as duas primeiras metas serão priorizadas, na prática, em detrimento das outras duas. Um exemplo disso é o estímulo ao consumo com a redução de IPI para a venda de automóveis novos, que só vai agravar os congestionamentos que vemos por todas as grandes cidades brasileiras. Falta ao governo brasileiro, ao encabeçar uma iniciativa global por medidas de incentivo à economia, estabelecer um programa concreto de fomento à economia verde no Brasil.

E.M.:A Rio+20 vai mesmo mostrar que “o centro de gravidade” para realizar a transição para uma economia verde passou dos governos para o setor privado?
A.M.:
Entendo que a inciativa e responsabilidade para tal transição não pode ficar limitada a um segmento. O setor privado tem seu papel e sem ele nada se efetivará. Mas a função do Estado como formulador de políticas, atuando diretamente ou por meio de incentivos, e também de fiscalizador, é imprescindível. E a sociedade civil deve não só fomentar iniciativas, mas assumir no cotidiano a prática de ações ambientais, seja individualmente em cada casa, seja na mobilização e ativismo de suas organizações.

E.M.:O foco não deveria estar sobre a redução do consumo e ao incentivo ao compartilhamento de recursos e sistemas?
A.M.:
Eu gostaria de ver mais o tema da economia do compartilhamento (sharing economy) e do consumo colaborativo na pauta de discussões. Penso que passamos tempo demais lidando com os efeitos da degradação, como os resíduos, sem atacar diretamente a causa da utilização desenfreada da natureza: o consumo. Neste novo modelo, parte-se do princípio de que cada indivíduo deve ter o que é necessário no momento certo, sem a necessidade de adquirir. Falando assim, pode parecer complicado, mas nada mais é do que retomar à prática de nossos pais e avós: emprestar e trocar objetos, pagar por serviços com outros serviços – a boa e velha prática do escambo, comercializar produtos usados. Só que antes o que era feito apenas pelo contato entre indivíduos, amigos, vizinhos, numa dimensão reduzida de negociação, agora ganha uma escala nacional ou mesmo mundial com a internet. Além do benefício da redução do consumo e, portanto, da fabricação de novos produtos e utilização de recursos naturais, o consumo colaborativo garante que o dinheiro, quando utilizado, recircule entre os indivíduos, não se concentrando em organizações. Para quem acha isto muito utópico eu posso dizer que isto representa um mercado que já alcança alguns milhões de dólares anuais, em setores como aluguel direto de imóveis para temporada e comércio de roupas usadas de bebês. O Brasil está atrasado em uma realidade que já garante lucros e a sobrevivência de muitas famílias prejudicadas com a crise.

E.M.:Como poderá ser medido o sucesso da Rio+20 e como pode ser desfeita a sensação, que a maior parte da população tem, de que esse tipo de evento não sai do papel e do discurso?
A.M.:
O sucesso poderá ser avaliado na medida em que as decisões e metas gerais forem internalizadas pelos governos, entidades e indivíduos no nível local, em suas casas, empresas e municípios. O importante vai ser compreender como trazer tudo o que for definido na Conferência para o nosso cotidiano. Muitos administradores públicos, especialmente no nível local, não se sensibilizam para o fato de que as grandes decisões tomadas pelos Chefes de Estado os afetam diretamente. Quanto à população, observamos também um comodismo quanto a tomar atitudes concretas no seu cotidiano em prol do ambiente, como se só coubesse ao poder público e ao setor privado realizar as ações de prevenção, recuperação e conservação.

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