Fábio Rubio Scarano é vice-presidente sênior da Divisão Américas da ONG Conservação Internacional (CI). É engenheiro florestal formado pela Universidade de Brasília (UnB), com pós-doutorado em ecologia pela Universidade de St. Andrews, na Escócia. Fábio tem cerca de 100 publicações científicas sobre temas ligados à ecologia e à conservação da biodiversidade e também faz parte do quadro de autores do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) e do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), organismo ligado à ONU.
“Foi muito interessante ver como a sociedade parece cada vez menos confiar ou esperar qualquer tipo de iniciativa ou liderança de seus governantes”
Na Conservação Internacional, vimos a Rio+20 como um evento no qual os aspectos positivos superaram os negativos. De um lado, a sociedade demonstrou avanços significativos na sua organização, capacidade e entrega em relação à agenda socioambiental. O setor privado está mais comprometido e inovador. Comunidades tradicionais têm conquistado mais autonomia e capacidade em lidar com desafio de manter suas tradições e buscar alternativas de rendas sustentáveis. As organizações não governamentais (ONGs) têm avançado em gerar a facilitação necessária para que diferentes setores dialoguem. O outro lado da Rio+20, e que talvez tenha sido o mais visível para o público em geral, foi o da ineficiência, inoperância e falta de liderança de governantes, que produziram um documento tímido e sem compromissos assumidos.
Não esperávamos um acordo global significativo, com metas, datas e cifras. A crise econômica mundial e a ausência de alguns dos principais (ditos) líderes planetários já indicavam isso. O que mais nos decepcionou em relação ao evento foi a falta de liderança do Brasil. Além de ser país sede (o que impõe uma grande responsabilidade em relação ao sucesso da conferência), o Brasil detém a maior biodiversidade do planeta, 12% da água doce, é um dos maiores celeiros de produção de alimento e ainda por cima é a sexta economia do mundo. Com esses atributos, o Brasil tinha plenas condições de assumir compromissos, inclusive financeiros, senão globais ao menos, para dentro dos limites de suas próprias fronteiras.
O Brasil tem tudo para ser a primeira superpotência verde do planeta. Pode liderar pelo exemplo e tem diante de si o que é provavelmente sua grande década, com Rio+20, Copa do Mundo, Olimpíadas. Porém, ao fim da Rio+20, resta a sensação de que, mais uma vez, o “país do futuro” não conseguiu ir além de seu habitual status de “promessa”, como já vimos ocorrer muitas outras vezes ao longo da história.
Por outro lado, foi muito interessante ver como a sociedade – no Brasil e em outras partes do mundo – parece cada vez menos confiar ou esperar qualquer tipo de iniciativa ou liderança de seus governantes. Muitos dos ótimos exemplos de iniciativas em direção ao desenvolvimento sustentável puderam ser vistos ao longo da Rio+20. Pessoalmente, me impressionaram muito os exemplos que vi na Cúpula dos Povos e em eventos paralelos no Parque dos Atletas, na Arena da Barra, no Forte de Copacabana, no Píer Mauá, no Jardim Botânico. O Riocentro esteve bem menos excitante. O que mais me interessou foi ver o poder de auto-organização da sociedade, no qual as ONGs cumprem um importante papel, seja como diplomatas que facilitam o diálogo entre setores e atores distintos, seja por meio de aporte técnico, seja como capacitadores seja pela voz do protesto, ou seja sendo tudo isso ao mesmo tempo. Em comparação com a Rio-92, a sociedade hoje está mais preparada para lidar com o desafio do desenvolvimento sustentável, ainda que seus governantes não estejam.
Talvez a principal lição que eu tenha tirado da Rio+20 é que a mudança do paradigma de desenvolvimento – de um destrutivo e desigual para um sustentável e inclusivo – se dará de baixo para cima, das bases em direção ao topo, da sociedade para o Estado. A sociedade está se preparando e se auto-organizando, talvez até mesmo por ter percebido que o mundo atual carece de líderes carismáticos, de governantes confiáveis, de políticos inspirados e que nos inspirem. Não vai dar para esperar pela ação desses governantes. Não vai dar para esperar por ação da ONU. Como alguém sabiamente disse ao longo do evento, “as calotas polares degelam mais rapidamente que os políticos tomam boas decisões”.
Como saldo positivo da Rio+20, creio que essas constatações acima nos levarão a escolher melhor nossos governantes em um futuro próximo, nos permitirão confiar mais nas nossas próprias possibilidades e capacidades locais sem esperar por forças ocultas, e nos inspirarão a encontrar novos líderes. Líderes que vejam o futuro como algo além dos quatro ou oito anos de seus mandatos, que se preocupem com futuras gerações e que reconheçam que a natureza – nossa biodiversidade e os serviços ambientais (clima estável, água boa, segurança alimentar, saúde, diversidade cultural etc.) que prestam – é a base não só para a sobrevivência, mas também para o bem-estar das pessoas. No todo, a Rio+20 oficialmente reconheceu isso, mas ainda há uma lacuna entre a carta assinada – cheia de intenções, mas com poucos compromissos – e sua efetiva implementação.
Em suma, chego ao fim da Rio+20 com uma sensação de avanço da sociedade em relação às metas do desenvolvimento sustentável e, principalmente, com uma curiosa sensação de liberdade e independência. Um sentimento muito parecido com aquele que vem com a maturidade, fruto de autoconfiança e autoestima. Perdemos muito tempo esperando pelos ditos líderes globais. Agora, é hora de pôr a mão na massa mais do que nunca e algo me diz que a sociedade vai cada vez mais fazer isso, sem esperar por nenhum iluminado (ou iluminada) vindo de cima, mas encontrando inspiração no seu dia a dia, na sua própria rotina e na própria comunidade.