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Estado de Minas

Servidora Ângela Chaves luta para livrar o marido do vício

Dono de bancas de jornal, Wagner Patrocínio abandonou negócios, casa e filhos. A mulher não desiste: quer o marido de volta


postado em 12/08/2013 06:00 / atualizado em 24/08/2015 08:05

Waguinho na Pampulha com o cachimbo de crack à mão, pouco antes de ser encontrado pela mulher(foto: JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
Waguinho na Pampulha com o cachimbo de crack à mão, pouco antes de ser encontrado pela mulher (foto: JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS)

Ângela Chaves sabia da difícil relação do namorado com álcool e drogas quando decidiu viver com ele em Santa Luzia, na Grande BH. Wagner Patrocínio, o Waguinho, começou cedo. Provou maconha aos 14 anos e usou todo tipo de substância até chegar ao último estágio: em 2000, experimentou crack. O que Ângela não imaginava era que o marido pudesse descer tão perto do inferno. Um ano atrás, ele praticamente se mudou para uma boca de fumo na Região da Pampulha. “Não sabia mais se Waguinho estava ou não em casa”, lembra. A vida dela virou do avesso. O marido passou a torrar com pedras de crack boa parte da renda mensal de R$ 8 mil obtida com as vendas nas quatro bancas que mantém no Centro de Belo  Horizonte. E Ângela, que detesta drogas, começou a ir à cracolândia para poder ver o marido, para procurá-lo quando ficava dias demais longe de casa, para tentar compreender o que se passava com ele.

 



“Gente, ontem fiz um programa diferente. Fui a uma cracolândia”, dizia mensagem publicada em uma rede social, em  fevereiro, na primeira vez em que ela criou coragem e virou a noite com o marido e outros usuários na boca de fumo da Pampulha. “Passei umas 10 horas com eles. Resolvi viver este problema bem de perto”, prosseguia a mensagem. Foi a maneira que Ângela encontrou de tentar entender as atitudes do marido. Sem saber exatamente o que enfrentaria, levou a alma livre e uma panelada de comida. Preparou macarrão, uma dúzia de ovos e uma farta salada de batatas. “Para poder apoiar meu marido, entendi que a dependência química é uma doença, não uma fraqueza de caráter. Só assim parei de  acusá-lo de noiado”, diz.

O casal em um momento em casa(foto: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS)
O casal em um momento em casa (foto: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS)
Ângela foi atrás do marido muitas vezes este ano. Numa dessas ocasiões, em março, encontrou Waguinho no passeio, sobre um tapete persa surrado. Imediatamente, deitou-se ao lado dele. Um usuário de crack que estava ao lado ofereceu um  travesseiro velho à mulher. Nesse dia, depois de muita conversa, ela conseguiu levar Waguinho para casa. “Fui na boca de fumo buscar o meu bonitinho. Ele não merece não, mas fui assim mesmo”, disse ela, já em casa, enquanto abraçava o  marido. À essa altura, ela sabia que era preciso uma medida mais drástica. No mês anterior, quando Waguinho chegou em casa com a pele cheia de caroços, tremendo de febre e com a boca cheia de marcas de tanto fumar, ela decidiu que era  preciso internar o marido. Sem contar para o companheiro, passou a discutir com o irmão dele, que é advogado, a  possibilidade de entrar com uma ação judicial para conseguir a internação compulsória do marido.

Antes de apelar para a internação compulsória, e alertada sobre a demora do processo até que a Justiça autorize o  tratamento forçado, Ângela voltou a tentar convencer o marido a se tratar. Em uma das conversas, ele topou se submeter a desintoxicação. Poucos dias depois, porém, descumpriu a promessa e voltou para as ruas. Ângela foi buscá-lo, mas o  reencontro daquela vez foi traumático. A mensagem seguinte na internet foi um desabafo. “Não quero mais saber de ir lá, nem de nada que diga respeito dependentes químicos. Meu marido para mim morreu e este assunto também! Vou levar  minha vida só, eu e meus filhos. Chega de fazer papel de trouxa”, dizia o texto, apagado pouco depois. A explicação veio  numa foto publicada em seguida: a imagem mostrava Ângela depois de ter sido agredida a chutes e socos pelo companheiro na cracolândia.

O episódio reforçou a ideia de internação à força. Mas, como ainda tinha resistência à medida, Ângela preferiu tentar uma  solução alternativa. O convênio garantia atendimento no Hospital do Ipsemg, no Centro de Belo Horizonte, e ela decidiu levar o marido para lá. A servidora pública conseguiu que ele fosse atendido, mas percebeu que as coisas não iam bem na  primeira visita que fez a Waguinho. Em crise de abstinência – segundo Ângela, o marido consome 15 gramas de crack por dia – ele ficou agressivo e começou a quebrar coisas no hospital numa tentativa de fuga.

Ângela se deu conta de que não seguraria Waguinho ali por muito tempo. Decidiu tentar uma internação involuntária, que não depende da vontade do paciente, mas da recomendação médica e do consentimento da família. Diferentemente da  internação compulsória, a involuntária não exige decisão judicial. No sufoco, ele consegue a assinatura de um dos médicos do hospital da Previdência autorizando a medida. “Quando ele concordou em alterar o papel da internação do Waguinho de voluntária para involuntária, quase dei um beijo na boca dele”, ela postou em seguida na internet. Os amigos “curtiram”.

Com a autorização, a mulher pesquisou clínicas, métodos de acolhida. Se pudesse, levaria o marido para uma badalada  clínica de São Paulo, tida como a melhor do país. O preço, R$ 6 mil por mês, está fora da realidade do casal. Com a ajuda dos amigos da área da assistência social, Ângela seleciona uma clínica mais modesta em Ribeirão das Neves, na Grande BH. Por mês, as despesas são de R$ 1,6 mil. Como programas governamentais de combate ao crack não cobrem internação em clínicas, a servidora fala em processar o Estado no futuro.


O desfecho da história é uma incógnita. Waguinho tentou fugir três vezes da clínica de Ribeirão das Neves, para onde foi levado no fim de maio. Em uma delas, foi flagrado tentando arrancar as grades da janela, chumbadas na parede. Em outra, pulou o muro e andou por seis horas dentro do mato, em busca de uma única pedra de crack. Ângela transferiu o marido para uma clínica, em Patos de Minas, no Alto Paranaíba. O tratamento voltou à estaca zero. “São 30 anos de dependência das drogas, maconha, cocaína, álcool e crack. É uma doença difícil mesmo de curar”, resigna-se. Os amigos esperam boas notícias na rede social.

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