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Estado de Minas

Região de Sete Lagoas é a que tem mais ocorrências policiais por conflitos hídricos

Casos como o da fazenda que suga um curso d'água inteiro ajudam a explicar razões dos embates


postado em 07/07/2015 06:00 / atualizado em 07/07/2015 07:35
https://www.em.com.br/app/noticia/especiais/guerra-da-agua/2015/07/07/noticia-especial-guerra-da-agua,665715/regiao-de-sete-lagoas-e-a-que-tem-mais-ocorrencias-policiais-por-confl.shtml

Afluente da Bacia do Rio das Velhas é totalmente barrado em fazenda de produção de plantas ornamentais. No leito interrompido restaram apenas poças lamacentas(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
Afluente da Bacia do Rio das Velhas é totalmente barrado em fazenda de produção de plantas ornamentais. No leito interrompido restaram apenas poças lamacentas (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)

Sete Lagoas –
O córrego – afluente do Rio Jequitibá, um dos grandes tributários do Rio das Velhas – foi totalmente desviado e barrado por um dique de concreto. Enquanto o leito natural secou quase completamente, deixando só pequenas poças, o manancial entra numa tubulação e é injetado 35 metros depois em uma roda d’água que sustenta uma fazenda de plantação de palmeiras. Depois, a água é despejada em um reservatório, no qual uma bomba móvel suga o líquido acumulado à razão de 8 litros por segundo (l/s) para irrigar as mudas de plantas ornamentais. O empreendimento, em Sete Lagoas, na Região Central de Minas, não tem outorgas para esses usos e ilustra como o abuso dos recursos hídricos ocorre também em espaços que os órgãos ambientais não consideram formalmente como áreas de conflito. A última reportagem da série do Estado de Minas sobre a guerra da água mostra que, apesar de não figurar entre os 57 territórios com Declaração de Área de Conflito do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) , essa é a região onde a polícia ambiental mais reportou chamadas para mediar confrontos hídricos, que saltaram de 17 ocorrências em 2013 para 98 no ano passado. Para especialistas, a região segue em compasso acelerado para se tornar mais uma bacia de embates pelo uso da água.

Vídeo mostra a situação em Sete Lagoas

De acordo com a coordenadora de Águas Subterrâneas do Serviço Geológico Brasileiro em Minas Gerais, Maria Antonieta Alcântara Mourão, o aumento da quantidade de poços perfurados e de água extraída do subsolo na região de Sete Lagoas tem preocupado e pode se refletir na redução da oferta de água superficial. “O aquífero presente na região é contido em área cárstica (grutas e cavidades subterrâneas) e por isso estabelece ligações diretas e amplas na região. Há riscos de contaminação e redução de produtividade”, alerta. Segundo o hidrogeólogo Adelbani Braz da Silva, que tem pós-doutorado na Colorado School of Mines (EUA), a fórmula para transformar uma bacia hidrográfica abundante em uma área de conflito é conhecida: “O aumento da população e dos empreendimentos, a escassez de chuvas e o desmatamento, que impede a recarga dos aquíferos, são os principais componentes para tornar uma região conflituosa do ponto de vista dos recursos hídricos”.


Na região de Sete Lagoas, a reportagem do Estado de Minas conseguiu identificar as mais extensas áreas que se valem do uso de água subterrânea e superficial sem licença do Igam. São quatro propriedades, com um total de 211,3 hectares – 494 campos de futebol – na zona rural e até na área urbana. O rastreamento foi feito a partir de análise da evolução de mapas de satélites dos últimos 10 anos e cruzamento das informações com a localização geográfica de licenciamentos ambientais e outorgas do Igam.

Água desviada do curso sustenta maquinário na propriedade(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
Água desviada do curso sustenta maquinário na propriedade (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)

A fazenda de palmeiras ornamentais que barrou o afluente da Bacia do Rio das Velhas foi uma das propriedades encontradas nesse trabalho. Pelo levantamento, nos últimos seis anos, um total de 10,5 hectares usou a água desviada e bombeada do córrego. A empresa é antiga e forneceu plantas até para os jardins da Cidade Administrativa, do governo estadual. Procurado, o proprietário do empreendimento, Alberto Andrade, disse ter todos os certificados para a utilização da água. Contudo, nos registros da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) só consta uma outorga de uso insignificante, para retirar até 1 l/s, muito abaixo do que consome a propriedade.

A situação expõe, mais uma vez, a morosidade do estado nos processos de licenciamento. Desde 2011 o proprietário tenta legalizar um poço tubular que usa para captação e irrigação, e desde o ano passado busca regularizar a extração do córrego. Há até uma queixa formal sobre a falta de resposta. A Semad, no entanto, informou que a entrada em processo não significa que o empreendimento será aprovado nem autoriza o uso dos recursos hídricos, estando o proprietário sujeito a autuação, multa e lacramento de suas captações. Ainda mais grave, segundo a Semad, é o desvio completo do curso d’água, que pode configurar crime ambiental. Em caso de condenação, a pena para esse ilícito é de um a três anos.

Até na área central, reservatórios são ligados a poços sem licença(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
Até na área central, reservatórios são ligados a poços sem licença (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)

Lavoura de ex-prefeito
sem outorga do Igam

Não são apenas agricultores, mineradores e industriais que usam recursos hídricos de áreas com forte pressão de consumo sem licenciamento. Em plena área urbana da cidade de Sete Lagoas, na Região Central, uma área vasta, de 30 hectares, equivalente a 74 campos de futebol, se destaca entre as residências e pontos de comércio do Bairro JK por ter campos cultivados de sorgo, soja e capim. As fontes de água, segundo a reportagem do Estado de Minas apurou, são poços tubulares, que buscam mananciais subterrâneos, e o Córrego dos Tropeiros, sendo que em nenhum dos pontos consta outorga concedida pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). O proprietário do empreendimento é o ex-prefeito da cidade, ex-deputado estadual e ex-diretor da Fundação Rural Mineira Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira (PTB).

Atualmente, parte do terreno está arada e outra foi recém-colhida. O poço, segundo indicaram trabalhadores da propriedade que permitiram a entrada da equipe de reportagem, fica quase no centro do lote e abastece uma caixa-d’água que tem ligações de mangueiras para irrigar um pomar e as plantações. Parte do córrego, que passa ao fundo, também tem a água captada eventualmente para essas atividades. O curso d’água ainda sofre outra agressão ambiental: um aterro construído próximo à margem acaba carreando entulho e lixo para a já poluída calha do curso hídrico.

O EM entrou em contato com o ex-prefeito e conversou com ele e com um assessor, de nome Wellington, por telefone. Cecé disse que não usa mais o poço nem a água do córrego, apesar de as mangueiras que levam água às plantações percorrerem o terreno e terem sido localizadas pela reportagem.

Mas, em entrevista concedida em julho de 2012 a um jornal da cidade, Cecé admitia, sem preocupação, usar as águas do córrego para a produção. “Meu hobby é o meio ambiente. Tenho no meu sítio cerca de 8 mil árvores na margem do Córrego do Diogo – que passa aqui no terreno –, todas de madeira de lei: peroba, aroeira, pau-ferro, jequitibá, mogno.... Ando muito, adubo, irrigo, planto”, disse, na época.

De acordo com o tenente Geraldo Gomes dos Reis, comandante do 5º Pelotão de Meio Ambiente e Trânsito de Sete Lagoas, nunca houve denúncias contra o empreendimento ou seu dono. Sobre a pressão que o município recebe quanto aos recursos hídricos, o militar afirma que denúncias sobre falta de água por desvios são prioridade, por se tratar de bem de primeira necessidade para a comunidade. “As situações de disputa ocorrem mais na época da seca. As pessoas nessas áreas querem sempre usar a mesma quantidade de água que sempre usaram e acabam prejudicando quem está mais adiante. Vamos à propriedade, intermediamos o problema e o proprietário tem de dar um jeito de fazer a água voltar a correr (no curso natural)”, afirma.

O uso de água sem a licença ou acima do permitido fragiliza os mananciais de várias formas, diz o biólogo e consultor em recursos hídricos Rafael Resck. “Há um limite de outorga, de 50% da vazão histórica de um corpo hídrico, para garantir sua preservação. Quando se tem muitas captações clandestinas, o órgão regulador perde esse controle e pode ocorrer – e desconfio que ocorra em muitos casos – uso acima do limite”, disse. O baixo nível se reflete primeiro na qualidade da água. “Acaba diminuindo a capacidade de depuração de poluentes, já que lançamentos de esgotos e lixo não diminuem com a estiagem ou o uso exagerado. Isso contribui para a perda de qualidade do rio e pode até favorecer a proliferação de algas tóxicas.”

O especialista destaca o papel da fiscalização para evitar esse processo. “Fiscalização tem de ter sempre. Hoje, é muito fácil instalar uma bomba e começar a captar água. Outra medida que não pode ser deixada de lado é a conservação das nascentes. Estudos mostram que proteger nascentes e matas ciliares traz aumento de produção de água. O estado, então, precisa estimular os projetos sustentáveis. Tem de ajudar, não só proibir.”

Sede de
controle


Publicada desde domingo pelo Estado de Minas, a série Guerra da água mostra que os conflitos de motivação hídrica já dominam vastas extensões do território mineiro. A primeira reportagem revelou que 57 áreas oficialmente reconhecidas como de confronto se espalham pelas regiões Central, Centro-Oeste, Alto Paranaíba, Triângulo Mineiro, Noroeste, Norte e Vale do Jequitinhonha, aproximando-se da capital. Ontem, o EM retratou a situação de famílias de Araguari expulsas do campo por não conseguir mais se abastecer de poços, devido ao uso indiscriminado de águas do subsolo.

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