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Estado de Minas

Reforma do ensino médio vai à sanção cercada de dúvidas

Pronta para sanção presidencial, reforma educacional vai exigir longo percurso, a começar pela homologação da base curricular. Admissão de professor leigo ainda suscita críticas


postado em 10/02/2017 06:00 / atualizado em 10/02/2017 10:03

Estudantes em escola pública de BH: carga horária deverá saltar de 800 para 144 mil horas/aula por ano(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press - 23/9/08)
Estudantes em escola pública de BH: carga horária deverá saltar de 800 para 144 mil horas/aula por ano (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press - 23/9/08)
Falta apenas a canetada do presidente Michel Temer para chancelar a medida provisória que institui a reforma do ensino médio no Brasil. Aumento da carga horária rumo a uma escola de tempo integral, segmentação das disciplinas de acordo com as áreas do conhecimento, flexibilidade para o aluno escolher os caminhos de seu currículo e oferta da formação técnica e profissional são alguns dos pontos que vão permear a última etapa da educação básica. Aprovada na noite de quarta-feira pelo Senado, por enquanto, ela é apenas um texto no papel suscitando inúmeros questionamentos de educadores, pais e alunos. Especialistas são unânimes: para se tornar prática, muitas medidas ainda devem ser tomadas. E esclarecidas. A começar pela homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o ponto de partida para o novo ensino médio, ainda sem data definida.


A Medida Provisória (MP) 746, de 22 de setembro de 2016, foi aprovada por 43 votos a favor, 13 contra e nenhuma abstenção. A carga horária do ensino médio subirá de 800 para 1.400 horas. As escolas farão a ampliação de forma gradual, mas nos primeiros cinco anos já devem oferecer 1.000 horas de aula anuais. Essa previsão se articula à Meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE), que determina a oferta de educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica, até 2024.

A BNCC, que é obrigatória a todas as escolas, deverá ocupar o máximo de 60% da carga horária total do ensino médio, sendo o tempo restante preenchido por disciplinas de interesse do aluno, que poderá eleger prioridades de acordo com a área de formação desejada em uma das cinco de interesse: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. A ideia é que cada estado e o Distrito Federal organizem seus currículos a partir da BNCC e das demandas dos jovens, dando a eles melhores chances de fazer escolhas. A base é um suporte em nível nacional pensado para deixar claros os conhecimentos essenciais aos quais todos os estudantes brasileiros têm direito de ter acesso e se apropriar durante sua trajetória ano a ano, desde o ensino infantil até o médio. Não se trata de uma lista de conteúdos, mas algo que a embasa. Ela está sendo discutida desde 2015. No fim do mês passado, o Ministério da Educação (MEC) apresentou a terceira versão.

Português e matemática serão disciplinas obrigatórias ao longo dos três anos. Língua inglesa, que não era obrigatória segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), passará a ser já a partir do sexto ano do ensino fundamental. Mas, no ensino médio, ele será estudado de acordo com o currículo do aluno. Assim, se ele escolher uma área que não demanda língua estrangeira, não a terá em sua grade curricular a partir do momento que houver a segmentação dos estudos. Se a escola oferecer apenas um idioma, este deverá ser obrigatoriamente o inglês, mas, havendo outro, em caráter optativo, a preferência é para o espanhol. O texto que vai para a sanção do presidente da República incluiu ainda como obrigatório “estudos e práticas” de educação física, arte, sociologia e filosofia dentro da BNCC.

‘NOTÓRIO SABER’  A reforma recai também sobre o ensino profissionalizante. Atualmente, o estudante que almeja uma formação técnica de nível médio precisa cursar 2.400 horas do ensino médio regular e mais 1.200 horas do técnico. Com a mudança, o jovem poderá optar por uma formação técnica profissional dentro da carga horária do ensino médio regular e, no fim dos três anos, ser certificado tanto no ensino médio quanto no curso técnico. Esta parte da MP inclui um ponto controverso, pois o texto aprovado permite que as redes de ensino autorizem profissionais “com notório saber” para ministrar aulas exclusivamente em disciplinas dos cursos técnicos e profissionalizantes, desde que tenham experiência prática e acadêmica.

Mas as mudanças não serão imediatas. Aprovada em pouco mais de quatro meses depois de editada, a MP passou por cima do ponto crucial para que a reforma entre em vigor e, agora, terá de esperar. As secretarias de estado de educação deverão estabelecer cronograma de implementação no primeiro ano letivo subsequente à data de publicação da Base Nacional e começar o processo de implementação a partir do segundo ano letivo subsequente à data de homologação da BNCC. A base do ensino médio está prevista para ser finalizada em março do ano que vem, segundo o MEC. Então, nesse cenário, na prática, a reforma do nível médio só sai do papel em 2020.

“O que preocupa não é só a lentidão, mas também a alta vinculação que existe no país entre as políticas educacionais e os partidos e mandatos políticos. Uma troca de governo federal ou estadual costuma colocar em risco muitas das ações realizadas e é sempre uma ameaça – independentemente de quem esteja no poder”, afirma a doutora em educação pela PUC-Rio, Andrea Ramal.

Ela ressalta que é a BNCC que dirá que temas essenciais de cada área serão trabalhados e que competências o ensino médio deve desenvolver. Segundo Andrea, a base ainda é muito disciplinar, enquanto a reforma do ensino médio sugere um trabalho mais focado na interdisciplinaridade. Além disso, a reforma fala de ensino profissional e esses conteúdos não são considerados na BNCC ainda. “Por tudo isso, ainda estamos muito longe de um novo ensino médio e a geração que está hoje nesse período escolar não sentirá os efeitos.”

O QUE MUDA

Confira as alterações no ensino médio aprovadas pelo Congresso Nacional

Carga horária
Hoje: 800 horas
O que muda:
» Subirá para 1.400 horas. As escolas farão a ampliação de forma gradual, mas nos primeiros cinco anos já devem oferecer 1.000 horas de aula anuais.

Disciplinas
Hoje: 13 disciplinas obrigatórias
O que muda:
» A Base Nacional Comum Curricular, que é obrigatória a todas as escolas, deverá ocupar o máximo de 60% da carga horária total do ensino médio
» O restante do tempo será preenchido por disciplinas de interesse do aluno, que poderá eleger prioridades de acordo com a área de formação desejada em uma das cinco áreas de interesse: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional
» Português e matemática serão obrigatórias ao longo dos três anos
» Será obrigatório “estudos e práticas” de educação física, arte, sociologia e filosofia dentro da Base Nacional

 

Língua estrangeira
Hoje: Não é obrigatória segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
O que muda:
» Será obrigatória a partir do sexto ano do ensino fundamental. No ensino médio, será estudada de acordo com o currículo do aluno e, por isso, não necessariamente ao longo dos três anos.
» Se a escola oferecer apenas um idioma, este deverá ser obrigatoriamente o inglês, mas, havendo outro, em caráter optativo, a preferência é para o espanhol.

Ensino profissionalizante

Hoje: O estudante precisa cursar 2.400 horas do ensino médio regular e mais 1.200 horas do técnico.
O que muda:
» O aluno poderá optar por uma formação técnica profissional dentro da carga horária do ensino médio regular e, no fim dos três anos, ser certificado tanto no ensino médio quanto no curso técnico. O texto aprovado permite que as redes de ensino autorizem profissionais “com notório saber” para ministrar aulas


TRÊS PERGUNTAS PARA

Andrea Ramal, doutora em educação pela PUC-Rio

 

Qual a análise geral sobre a medida provisória que foi aprovada?
Como o processo de construção da medida foi meio atropelado e pouco participativo, vejo que ela é bastante limitada. As teorias que a embasam são positivas, como a flexibilização do currículo por meio de itinerários formativos mais personalizados, ou a ampliação da jornada escolar. Porém, as mudanças na educação não se fazem por decreto nem tomando conceitos consagrados e transformando em lei. A medida tem lacunas que haverá que suprir com planos de ação. Sem falar nos pontos problemáticos, como a escalação de professores leigos.

A senhora considera que é esse o caminho para atrair o aluno e melhorar o ensino médio das escolas brasileiras?
Esse é um dos caminhos. Na sociedade do conhecimento interligado, do hipertexto e da hipermídia, das redes cooperativas e da inteligência coletiva construída por meio do ciberespaço, não podemos mais ter uma escola com disciplinas tão fragmentadas e isoladas. Mas é preciso que os conteúdos essenciais de cada área não sejam deixados de lado.

A reforma do ensino médio vai impactar de maneira diferente as redes pública e privada?

As medidas são as mesmas, mas por razões óbvias, as escolas privadas podem ter mais facilidade e rapidez para implementá-las. Isso pode acentuar as desigualdades educacionais, em vez de reduzi-las.


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