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Estado de Minas

Cardumes que fugiram do Rio Doce têm vida ameaçada pela má qualidade da água

Passado um ano da catástrofe, cardumes que conseguiram fugir lutam por sobrevivência nos grandes afluentes, que também são degradados por esgotos, enquanto a calha principal continua sem condições de abrigar a fauna aquática


postado em 04/11/2016 06:00 / atualizado em 04/11/2016 07:50

Em Baguari, distrito de Governador Valadares, equipamentos de captação de areia continuam cuspindo barro do leito do Rio(foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
Em Baguari, distrito de Governador Valadares, equipamentos de captação de areia continuam cuspindo barro do leito do Rio (foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
Mariana, Barra Longa, Naque, Governador Valadares (MG) e Linhares (ES) – A invasão das águas do Rio Doce pela lama de rejeitos de mineração da Barragem do Fundão, da Samarco, fez com que muitas espécies de peixes buscassem refúgio nos grandes afluentes da bacia, onde a água não era tão escura, espessa e sufocante. Esse êxodo chegou a ser apontado pelos órgãos ambientais como a salvação de muitos cardumes. Mas as condições altamente degradadas desses rios torna delicada a sobrevivência dos cardumes para um futuro repovoamento da calha principal, que um ano depois continua sem condições de abrigar a fauna aquática, pois alterna momentos de menos concentração de poluentes com novas contaminações pelo material ainda espalhado pelo leito e pelas margens, na avaliação do comitê da bacia hidrográfica (CBH-Doce). Passados 12  meses da tragédia de Mariana, a única ação de proteção aos peixes foi a suspensão da pesca, que vigora nesta estação desde a última terça-feira. Apesar de a Samarco ter sido multada em R$ 1 bilhão por órgãos ambientais federais e estaduais, ainda há um enorme volume de rejeitos minerários no meio ambiente, em situação que ameaça toda a bacia. A destruição atingiu 650 quilômetros pelos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce. Só este último recebeu 18 milhões dos 32 milhões de metros cúbicos de rejeitos que desceram do complexo da mineradora.


“Do ponto de vista das ações de reparação e compensação, temos muito pouco feito em um ano. A grande preocupação para quem está abaixo de Valadares é com o período de chuvas, quando o material que ainda está nos rios pode descer novamente”, observa Leonardo Deptulski, presidente do CBH-Doce. Parte das multas aplicadas à Samarco se deve inclusive à falta de ações da empresa para corrigir a devastação. Uma das razões que motivaram o Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) do Espírito Santo a punir a empresa em R$ 430 milhões é justamente o fato de a mineradora “não realizar de forma satisfatória as ações de mitigação do desastre”. Entre as 10 multas emitidas pelo Ibama, uma delas, de R$ 311.500, se deve ao fato de a companhia “não realizar monitoramento da ictofauna (peixes) do Rio Doce”.

Sem ações de recuperação e monitoramento, o ambiente que a fauna refugiada do Rio Doce encontrou nos afluentes não é acolhedor. Além da competição por espaço e alimento com animais nativos, as águas desses rios têm altas concentrações de alumínio, ferro, fósforo, esgoto e partículas sólidas, segundo o último relatório do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) (veja quadro). A saúde dos tributários e das nascentes é considerada de crucial importância para o repovoamento do rio, no entendimento do CBH-Doce, que destaca como principais berçários os rios Santo Antônio, Suaçuí Grande, Piracicaba, Caratinga e Piranga, em Minas Gerais. “Neste um ano, os resíduos de mineração ainda estão acumulados no fundo dos leitos dos rios e nas margens entre a Barragem de Candonga (Rio Doce) e o Rio Gualaxo do Norte (Mariana). Com as chuvas, esse material pode descer de novo e contaminar todo o rio, inclusive os rejeitos que ainda estão estocados na Barragem do Fundão (cerca de 16 milhões de metros cúbicos)”, afirma o presidente do CBH-Doce.

Os gráficos levantados pelo Igam no relatório técnico de acompanhamento da qualidade das águas do Rio Doce após o rompimento da barragem, entre 7 de novembro de 2015 e 31 de agosto deste ano, reforçam a tese e mostram que um pouco de chuva faz com que os níveis de metais pesados e de outros poluentes voltem a subir nas águas. Entre novembro do ano passado e março deste ano, as concentrações foram altíssimas durante a passagem dos rejeitos e a estação chuvosa, intensa sobretudo em Mariana. De abril em diante, segundo o Igam, a estiagem e a decantação dos poluentes fizeram com que os níveis caíssem a patamares toleráveis em praticamente todos os mananciais, com alterações durante as precipitações.

Contudo, um quadro instável como esse não permite a recuperação da ecologia dos ambientes aquáticos, na avaliação do CBH-Doce. “Da Barragem do Fundão à Represa de Candonga, a situação é gravíssima. Temos muito rejeito nos três rios, nas margens há trechos com quase dois metros de resíduos acumulados, que, se não forem contidos, voltarão para o Rio Doce”, afirma Deptulski. O presidente do CBH-Doce calcula ser necessário um trabalho de cinco a seis anos para retirar a lama, estabilizar rejeitos e recuperar as matas ciliares nesses locais. “Abaixo de Candonga ficou tudo no leito do rio, mas a chuva pode levar esse material novamente para a superfície. No alto, até Candonga o cenário é irrecuperável sem intervenções, pois a passagem da lama causou a morte da biodiversidade da flora e afetou a fauna silvestre que usava o rio como fonte”, afirma.

LAMA ARMAZENADA No Rio Doce, em muitos pontos onde imperava a cor vermelha da lama de rejeitos da Samarco, a cor original da água voltou a aparecer. Mas a aparente purificação abaixo da Represa de Candonga  esconde grandes depósitos de resíduos no fundo do manancial, que vêm à tona a cada chuva. No distrito valadarense de Baguari, os trabalhadores que operam areais estão parados devido à grossa camada de rejeitos que se assentou no leito. Ao ligar as bombas das dragas, a água e a areia claras que jorravam há um ano deram lugar a um caldo escuro com cheiro de ferrugem, semelhante ao que as ruínas de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana, exalavam depois do rompimento da Barragem do Fundão. “A Samarco diz que não tem mais lama, mas olha só a que está saindo do fundo do rio. Estamos tentando limpar para poder usar a areia de novo. Mas já faz um ano que todos os dias a gente vem aqui e liga a draga e só puxa lama para fora”, afirma o proprietário de uma dessas extrações.

Governadores se reúnem com Temer

O presidente da República, Michel Temer, e os governadores de Minas, Fernando Pimentel, e do Espírito Santo, Paulo Hartung, participaram de reunião com representantes da Samarco para cobrar medidas que evitem novo desastre ambiental na Bacia do Rio Doce na estação de chuvas. Também estiveram presentes ministros e outras autoridades. De acordo com o Planalto, Temer pediu que sejam tomadas medidas para evitar riscos à vida e ao meio ambiente no período de chuvas na Região Sudeste, e orientou a equipe a manter atenção e acompanhamento permanentes para garantir respostas rápidas em caso de necessidade. A Samarco informou que seu diretor-presidente, Roberto Carvalho, e o diretor de Projetos, Maury Souza, apresentaram o status das ações de recuperação e prevenção para as chuvas. O presidente da Vale, Murilo Ferreira, e o diretor nacional da BHP Billiton, Flávio Bulcão, também participaram, bem como o presidente da Fundação Renova, Roberto Waack, que fez um balanço das iniciativas de recuperação.

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)


Fundação tem missão de resgatar mananciais

Uma das funções da recém-formada Fundação Renova é a recuperação ambiental. A entidade foi criada pela Samarco e pelos governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo para gerenciar recursos e ações de mitigação dos efeitos do rompimento da Barragem do Fundão. De acordo com a Renova, serão recuperadas 5 mil nascentes, ao ritmo de 500 por ano. Captações alternativas estão sendo construídas nos rios Santa Maria do Doce e Pâncas, para criar uma alternativa de fornecimento de água para Colatina e no Rio Suaçuí Grande, para Governador Valadares.

Mas a principal forma de preservar a biodiversidade afetada é o tratamento dos esgotos das cidades, que chegam muitas vezes pelos afluentes. Serão investidos R$ 500 milhões no tratamento de esgoto de 39 municípios, de Mariana a Linhares (ES). R$ 50 milhões neste ano, R$ 200 milhões em 2017 e R$ 250 milhões em 2018. “Se essas ações não forem interrompidas, em cinco anos vamos praticamente acabar com o esgoto da calha do Rio Doce”, espera o presidente do CBH-Doce, que integra a Fundação Renova.

De acordo com a Samarco, a formação de sua rede de diques pode impedir que os resíduos acumulados entre a mineração e Bento Rodrigues volte a contaminar o Rio Doce. A empresa afirma que foram recuperados 56 de 101 afluentes mapeados dos Rios Gualaxo do Norte e do Carmo. Foram estabelecidos 120 pontos de monitoramento da água, dos quais oito em lagoas e 31 no oceano. Foram emitidos 71 mil laudos de análise de água. “O total de parâmetros acumula mais de 1,9 milhão de resultados indicativos de que a água do Rio Doce, em vários pontos, encontra-se similar à média histórica. Tal informação também foi confirmada em laudo do Instituto de Gestão das Águas de Minas (Igam) em agosto”, informa a empresa.

ANIMAIS Nas margens, a Samarco informa ter revegetado emergencialmente 830 hectares nos municípios de Mariana, Barra Longa, Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado. Cerca de 7 mil animais impactados receberam algum tipo de assistência e 5.500 toneladas de silagem para alimentação animal foram distribuídas em propriedades rurais de Mariana, Barra Longa, Ponte Nova, Rio Doce e Santa Cruz Escalvado.

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