Apesar dos quase 50 minutos do discurso de defesa da presidente afastada, Dilma Rousseff, ontem, no Senado Federal, o mercado não se abalou com a fala carregada de emoção e de acusações da petista. O impeachment é considerado fato consumado e Dilma não apresentou fato novo para alterar de forma contundente o resultado esperado, segundo especialistas.
Mas nem tudo é euforia. Os investidores também estão preocupados com o que virá quando o presidente interino, Michel Temer, for efetivado no cargo. Apesar de Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ratificarem, constantemente, que o ajuste fiscal é para valer e que há um compromisso da base aliada para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos à inflação do ano anterior, o sentimento de desconfiança ronda o ambiente. O PMDB, partido de Temer, sinalizou que não dará aval para a PEC e vem trabalhando pesado para aprovar o aumento dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), algo que terá impacto devastador nas contas públicas.
“Muitos acreditam que o pior momento do governo Temer foi durante a interinidade. Mas a dificuldade começa agora. Mesmo o problema do país ser fundamentalmente político, será praticamente impossível aprovar a PEC e a reforma da Previdência”, avaliou a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington. Para ela, o avanço de reformas é duvidoso com uma base aliada, mesmo grande, tão heterogênea e com dificuldades de consenso dentro do próprio PMDB. “O mercado vai se dar conta de que não haverá reformas com o novo governo. Temer é um político tradicional de conchavo e a única esperança que dá para ter é se ele conseguir que o plano de privatizações avance e ajude a salvar a economia.” Segundo Monica, o circo que está ocorrendo no Senado vai continuar. “O que vemos é o prelúdio de tempos difíceis para Temer”, resumiu.
Na avaliação do economista Alexandre Cabral, sócio da NeoValue Consultoria, há um consenso no mercado de que a crise é pesada e se a confiança em Temer é pouca, em Dilma é zero. “Vamos ver se Temer vai resolver trabalhar em prol do ajuste fiscal, porque, até agora, ele se mostrou um gastador pior que Dilma”, disse.
DIAS CONTADOS O economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, ressaltou que, assim que o impeachment for confirmado, a parcimônia do mercado para com o governo interino está com os dias contados. “Acabou a condescendência. Temer vai ter que mostrar mais efetividade em relação ao ajuste fiscal. Vamos ver se ele consegue ter governabilidade suficiente para conduzir o ajuste que o mercado espera”, afirmou Rosa, que prevê alta de 1% em 2017 e não vê como mesmo otimismo do novo governo que a recuperação econômica ocorrerá a partir do quarto trimestre. “Eles esperam a retomada dos investimentos, mas isso vai demorar e só ocorrerá quando a indústria conseguir desovar os estoques, que estão elevados”, completou.
O economista Carlos Thadeu Freitas Gomes Filho, sócio da MacroAgro Consultoria, está entre os otimistas com a saída definitiva de Dilma do poder e a capacidade de Temer encaminhar as reformas necessárias para a retomada do crescimento e do equilíbrio fiscal. Pelas estimativas dele, o país deverá crescer 3% no ano que vem devido à onda de investimentos que está represada e deverá ocorrer pós-impeachment. “O país pode entrar em uma espiral positiva por algum tempo e ela poderá ser duradoura ou um voo de galinha dependendo da aprovação da reforma estrutural, e no mais provável a PEC e a da Previdência”, disse ele, descartando qualquer risco de acomodação de Temer nesse sentido.
Em Nova York
As bolsas de Nova York fecharam em alta, ontem, trazendo de volta uma boa parte do que haviam perdido na semana passada, uma vez que o mercado tem repensado na real possibilidade de o Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) elevar os juros em setembro. O índice Dow Jones terminou em alta de 0,58%, aos 18.502,99 pontos; o Nasdaq ganhou 0,26%, aos 5.232,33 pontos e o S&P 500 avançou 0,52%, aos 2.180,38 pontos. Analistas apontam que, no fim, a visão positiva de Yellen sobre a economia é que prevaleceu e animou os investidores.