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Estado de Minas

Trecho por onde passava a Ferrovia Bahia-Minas é tomado pelo abandono e poeira

Promessa de asfalto deixou no abandono trecho de 90 quilômetros usado para transportar gado e mercadorias


postado em 02/08/2015 10:30 / atualizado em 02/08/2015 10:53

No lugar da maria-fumaça, caminho precário, considerado rodovia pelo poder público, sem projeto de engenharia, em trajeto sinuoso e cheio de buracos, encarece o custo da produção agropecuária(foto: Beto Novaes/EM/D.A.Press)
No lugar da maria-fumaça, caminho precário, considerado rodovia pelo poder público, sem projeto de engenharia, em trajeto sinuoso e cheio de buracos, encarece o custo da produção agropecuária (foto: Beto Novaes/EM/D.A.Press)

Araçuaí e Queixada – “A máquina de ferro passava em frente à porteira. Eu pongava (pulava) dela com os vagões ainda em movimento, pois o trem corria lento e a estação mais próxima estava a cinco quilômetros”, recorda o sorridente Walter Guedes Neiva, de 86 anos. Dono de uma propriedade rural em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, ele deixa a alegria escapar apenas quando se lembra do precário caminho de terra que surgiu no lugar dos trilhos.

Quase 50 anos depois de a locomotiva matraquear pela última vez em frente à fazenda dele, os 92 quilômetros que separam Araçuaí e Novo Cruzeiro ainda não foram asfaltados. Oficialmente, lá agora é a LMG-678. O governo de Minas Gerais, responsável pela estrada, informou que não há projeto de engenharia para o trecho, cujo traçado é sinuoso e cheio de buracos.

“Melhor seria deixar o trem”, indigna-se Walter. Afinal, a precária estrada de chão encarece o custo da produção agrícola e pecuária do Jequitinhonha, uma das regiões mais carentes do país. Quem conta é o próprio Walter: “Na época (da maria-fumaça), eu vendia bois para a Bahia (havia vagões para o transporte de gado, suínos e equinos). Ainda negocio o rebanho para fora, mas agora o levo em caminhões, que percorrem mais ou menos 270 quilômetros. O trem barateava o custo. Garantia lucro melhor”. Tanto o dele quanto o de Antônio Geraldo de Souza Campos, dono de uma venda em Queixada, pacato distrito de Novo Cruzeiro que surgiu com a chegada dos trilhos.



O lugarejo preserva a estação e a casa que serviu de moradia para a família do agente responsável pelo trecho da linha. A caixa d’água que abastecia a caldeira da máquina de ferro também está lá, imponente, a poucos metros da estrada de chão. Hoje, há poucos moradores em Queixada.

Nem sempre foi assim: o lugar foi ponto final da Baiminas na década de 1930. “Havia grandes armazéns, que recebiam mercadorias do Rio de Janeiro (os produtos eram levados em embarcações ao porto de Ponta de Areia, de onde seguiam por ferrovia até o Jequitinhonha)”, conta Antônio.

Mesmo quando os trilhos avançaram até Araçuaí, Queixada se beneficiou do vaivém de negociantes. A região era a maior produtora de alho do Brasil. Toneladas do alimento eram embarcadas na estação local e na de Novo Cruzeiro. Para cultivar tanto alho, os fazendeiros precisaram de numerosa mão de obra. Foi a época áurea de Queixada.

“Havia propriedade rural com 70 famílias de funcionários. Com o fim da linha, tudo mudou. O povo foi para longe”, lamentou Antônio (veja vídeo no www.em.com.br). Ele próprio ganhou boa quantia de dinheiro com a Baiminas. Quando jovem, viajava ao longo da ferrovia para vender gado, porco, milho, alho e tudo mais que as fazendas daquelas bandas ofereciam ao mercado. Antônio voltava satisfeito da labuta.

Aos 73 anos, o comerciante é dono de uma pequena loja em Queixada. A clientela não é mais a mesma dos áureos tempos da Baiminas. O movimento é manso, o que permite a Antônio dedicar parte do tempo a uma boa prosa com os amigos. As lembranças da composição norteiam parte das conversas. A precária estrada de chão que surgiu no lugar dos trilhos também.

Os caminhões que levam mercadorias às vendas do lugarejo passam por pontilhões de ferro que um dia foram cruzados pela maria-fumaça. As estruturas, construídas na Inglaterra, dão um charme à região, tanto quanto os mandacarus e os estreitos cursos d’água que cortam aquele pedaço do Vale.

pó e lama Mas as pontes de ferro e a vegetação típica do semiárido não escondem a dificuldade de motoristas e passageiros ao longo do caminho. Na temporada de chuva, usuários sofrem com a lama. Na época do calor, o problema é a poeira. Para aliviar o sofrimento, caminhões-pipa gerenciados pelo poder público derramam água, diariamente, na LMG-678.

“Há três no trecho (de Araçuaí ao distrito de Alfredo Graça). Nesse veículo, a capacidade é para oito mil litros. Jogo água de duas a três vezes por dia. Levo meia hora para enchê-lo no ribeirão”, conta um dos motoristas.

Curiosamente, um dos caminhões trafega sem a placa dianteira. A infração se agrava em razão de o veículo prestar serviço ao Departamento de Estrada de Rodagem (DER-MG), órgão que tem entre uma das funções fiscalizar o transporte irregular nas estradas.

Em nota, o DER informou que entrou em contato com a prestadora de serviço, que se prontificou a regularizar o caminhão. Embora questionado, o órgão não informou se o veículo foi multado.

DE UMA PONTA A OUTRA

A vida nos trilhos


Novo Cruzeiro – A Baiminas tem capítulos especiais na vida de Geralda Aparecida Lages, de 55 anos. A mãe dela viajou no trem para que Geralda nascesse no hospital de Araçuaí. “Foi a primeira vez que andei na Baiminas: na barriga de mamãe”. Naquela época, a família morava em Queixada. Quando a ferrovia foi extinta, ela e os pais se mudaram para Novo Cruzeiro. Mais uma vez, a Baiminas esteve presente na vida dela: “Trouxemos a mudança de Queixada para Novo Cruzeiro no último trem”. Hoje, Geralda é funcionária da prefeitura, que transformou a antiga estação numa biblioteca.


Leia nesta segunda-feira:

Como foi o início do caminho de ferro em Minas


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