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Estado de Minas

Crise atinge mercado de trabalho após 12 anos de expansão do emprego e dos rendimentos

Economia fraca corta ganhos e dribla direitos. Analistas preveem agravamento da taxa de desocupação


postado em 01/05/2015 06:00 / atualizado em 01/05/2015 07:19


Os trabalhadores brasileiros tiveram grandes conquistas nos últimos 12 anos, mas esse quadro vem mudando a partir do ano passado. Não há o que comemorar neste feriado do Dia do Trabalho, que deve ser o pior em mais de uma década. Pela primeira vez, desde 2003, a renda média real, descontada a inflação, e a massa salarial tiveram queda. A inflação corrói o poder aquisitivo da população, e o desemprego voltou a subir, preocupando famílias já superendividadas. Para completar, há o temor, entre trabalhadores, de que garantias conquistadas a duras penas estejam ameaçadas por medidas provisórias e projetos de lei que violam ou restringem direitos trabalhistas.


Este é o tema da série de reportagens Para onde vai o emprego, que o Estado de Minas publica de hoje a domingo, para mostrar os novos tempos do mercado de trabalho no país e como os trabalhadores estão reagindo (veja o quadro). Não há dúvida, contudo, de que os brasileiros viveram bons momentos de pleno emprego e valorização salarial. Com a retomada do crescimento e o controle da inflação, as empresas puderam contratar mais e dar aumentos salariais generosos a seus funcionários, e os servidores públicos foram beneficiados com ganhos reais. Uma política consistente de reajuste do salário mínimo, que aumentou seu poder de compra em cinco vezes, proporcionou ascensão social e inclusão de milhões de pessoas no mercado consumidor. Nesse cenário de bonança, muitos brasileiros puderam comprar o carro novo, a casa própria, viajar para o exterior, bancar planos de saúde e colocar os filhos em escolas privadas.


O economista da empresa de consultoria Tendências Rafael Bacciotti aponta o aumento da renda como uma das maiores conquistas dos últimos anos. “Houve crescimento real contínuo dos rendimentos de 2005 a 2012. No acumulado do período, foram 25% de ganhos acima da inflação, com média anual de 2,7%. Em 2013 e 2014, também houve aumento, mas o ritmo perdeu força”, explica. Para o consultor do site especializado Trabalho Hoje, Rodolfo Torelly, ex-diretor do Departamento de Emprego e Salário do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a grande vitória foi a superação da informalidade. “A partir de 2009, os trabalhadores formais superaram o contingente de informais”, destaca.


O vice-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Júlio Miragaya, acrescenta a conquista dos microempreendedores individuais (MEI). “Em seis anos, 5 milhões de pequenos empreendedores entraram para a formalidade com o MEI (Micro Empreendedor Individual)”, observa. Isso colaborou para fortalecer a inversão da proporção da força de trabalho, que, historicamente, era de 60% informais e 40% com carteira assinada no país. “Hoje, está em 53% formais e 47% informais, mas acrescentando o MEI, chegamos a 60% dos trabalhadores brasileiros na formalidade”, ressalta. Some-se a isso, a criação da lei das domésticas, que contemplou com garantias uma categoria profissional antes sem qualquer direito.



Turbulência

Ainda que tenha sido extensa e proveitosa, a lua de mel do brasileiro com o mercado de trabalho acabou em 2014, quando alguns dos principais indicadores econômicos do país começaram a se deteriorar. A turbulência só atingiu o emprego em cheio este ano porque, conforme os especialistas, é normal o reflexo ter um atraso. “O baixo crescimento do país, a falta de investimentos e o enfraquecimento da confiança de empresários estão se refletindo agora no mercado de trabalho, tendência que deve se intensificar ao longo do ano e contaminar 2016”, assinala Bacciotti, da Consultoria Tendências, que estima desemprego de 7% no ano que vem. Em março deste ano, a taxa atingiu 6,2% nas seis principais regiões metropolitanas do país, pesquisadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


A corretora autônoma Michele Grugel, de 35 anos, já tem dúvidas sobre o futuro da atividade a que dedica desde 2011. “Não sei o que será daqui pra frente. Tenho amigos e parentes demitidos, e sei que é preciso driblar essa crise. Há muitos corretores reclamando, mas a hora é de investir e tentar vencê-la. Se eu achar que o mercado está parado e parar, estarei perdida”, afirma. Ela ingressou na atividade em 2010, quando o setor vivia seus melhores momentos. O salário chegou a crescer 50% e ela planeja uma previdência privada e fazer poupança com os recursos acumulados. Agora se prepara para tempos mais difíceis. “Vou intensificar minha publicidade, investir em cursos. Não posso parar”, afirma.


Pensão restrita é só o começo

Considerado o mais completo levantamento do país, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, revelou uma taxa de desocupação de 7,4% em fevereiro, resultado de duas variáveis perigosas: redução de 401 mil trabalhadores ocupados e aumento de 950 mil desocupados. “O Brasil não fez investimentos para criar mais vagas. O aumento do desemprego, decorrente de uma situação econômica bem deteriorada, provoca a perda de benefícios e a redução salarial”, explica o advogado do escritório Souto Correa, Paulo Souto, especializado na área trabalhista.


Em março deste ano, o rendimento real habitual, de R$ 2.134,60, caiu 3% na comparação com o mesmo mês de 2014, enquanto a massa salarial (a soma de todos os salários pagos na economia), de R$ 49,3 bilhões, recuou 3,8% ante o mesmo mês do ano passado, segundo a PME. No entender de Souto, a grande ameaça da renda em queda e do desemprego em alta é o aumento da inadimplência. Isso porque as famílias já estão superendividadas, comprometendo mais de 46% da renda, conforme dados do Banco Central (BC). “A devolução de bens, como carros e imóveis, já está crescendo pela incapacidade de pagamento”, alerta Souto.


Como se não bastassem os números jogando contra os trabalhadores, o governo federal e a Câmara dos Deputados também ameaçam o grande homenageado do dia. Duas medidas provisórias (MP) já em vigor e um projeto de lei (PL), na opinião de alguns especialistas, acabam com garantias trabalhistas. Para a presidente da Comissão de Seguridade Social da Ordem de Advogados do Brasil (OAB), Thaís Riedel, a MP 664, que restringe o acesso à pensão por morte e modifica as carências do auxílio-doença, e a MP 665, que altera benefícios como o abono salarial e o seguro-desemprego, são graves violações de direitos.


“O Direito Previdenciário é uma conquista dos trabalhadores. A redução do abono, por exemplo, é inconstitucional, porque prevê pagamento proporcional ao tempo trabalhado, quando a Constituição é clara ao determinar o benefício de um salário mínimo integral”, esclarece Thaís. Regras mais rígidas de aposentadoria para servidores públicos, com a retirada da paridade e da integralidade, também ferem direitos adquiridos.


Três perguntas para...

Antonio José de Barros Levenhagen,
presidente do Tribunal Superior do Trabalho

O trabalhador tem o que comemorar neste 1º de Maio?
Não é um cenário que se possa comemorar efusivamente. É um 1º de Maio de reflexão, para que o trabalhador não perca mais ainda direitos. Quando ocorre um ataque, a sociedade brasileira se comove. Mas diante de mais de 700 mil acidentes de trabalho no Brasil, não. Como se a coisa tivesse virado lugar comum, corriqueira. Se não podemos celebrar, como gostaríamos, o 1º de Maio, pelo menos, celebraremos o trabalhador brasileiro, que é mais que sobrevivente, é um vitorioso. Sou um pouco otimista, mas bastante realista. O cenário não parece promissor. Então, a torcida é para que a economia doméstica de alguma forma volte a funcionar e que a economia internacional também dê sinais de aquecimento.

Quais são os maiores riscos, hoje, a direitos?
Pretende-se fazer ajuste fiscal justamente naqueles mais frágeis. Um bom exemplo é a terceirização, em que se quer alcançar toda a atividade da empresa. É uma norma em branco. Não há um parâmetro percentual para regulamentar.

O direito do trabalho é protecionista?
Não só no Brasil. Em toda sociedade democrática, de mercado. A sociedade brasileira ainda não percebeu e até alguns magistrados menos avisados, imaginando que o Judiciário do Trabalho é protecionista porque deseja ser. Mas não. É porque aplica uma legislação protecionista. O empregado só dispõe do salário, tem que ser protegido. A proteção não pode ser exagerada, para não inviabilizar as micro, pequenas e médias empresas. Procuramos ser o mais equilibrados possível. O artigo 1º inciso 4º da Constituição diz: a República Federativa do Brasil se assenta nos princípios da livre iniciativa e da valorização social do trabalho. Coloca os dois no mesmo patamar. Da mesma forma, o artigo 8º da CLT, de uma extrema atualidade, diz que nenhum interesse particular ou de classe pode prevalecer sobre o interesse coletivo da nação. (Vera Batista e Paulo Silva Pinto)


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