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Estado de Minas A CONTA VAI CHEGAR

Prefeituras de Minas que distribuem água gratuitamente estudam cobrar para tratar e fornecer

Especialistas acreditam que é uma saída capaz de forçar redução do consumo


postado em 19/10/2014 07:00 / atualizado em 19/10/2014 07:51

Parte da água de São João da Lagoa passa pela estação de tratamento da cidade, que busca estratégias para regular o consumo(foto: VICENTE LAFETA/DIVULGAÇÃO)
Parte da água de São João da Lagoa passa pela estação de tratamento da cidade, que busca estratégias para regular o consumo (foto: VICENTE LAFETA/DIVULGAÇÃO)
Chegamos ao fundo do poço e ele está seco. Em nascentes e reservatórios do país, a paisagem esturricada podia ser de um filme de ficção científica. Setembro foi o mês mais quente e seco do planeta Terra desde 1890 e, em outubro, as chuvas ainda não chegaram como de costume. O alerta feito pela Nasa, agência espacial americana, é global e acende a luz vermelha para o desperdício de água. A partir de 2015, até que o nível dos reservatórios seja recuperado, medidas de racionalização do uso devem entrar de forma ostensiva para o dia a dia das famílias. O fim da gratuidade já entrou para a pauta dos municípios e a conta residencial poderá crescer ou encolher.

Cidades mineiras que enfrentam a estiagem já anunciam que vão começar a cobrar pela água a partir de 2015 como forma de reduzir o desperdício e financiar sistemas de tratamento. Hoje, o consumo residencial da água é gratuito em pelo menos 100 das 853 cidades do estado. Na outra ponta, nos grandes centros, o desperdício também é significativo. Especialistas estimam que o consumo nos domicílios tem espaço para encolher pelo menos 10% de imediato e, nesse caso, a motivação em momentos de crise chega pela conta. Ela pode crescer, se o desperdício continuar, ou encolher, se houver um freio nos gastos.

Na Prefeitura de Goiabeira, no Leste de Minas, e em Jeceaba, na Região Central, o novo sistema de distribuição começa a funcionar no início do ano que vem. Outros municípios, como São João da Lagoa, no Norte do estado, ou Aiuruoca, no Sul de Minas, buscam estratégias para regular o desperdício no consumo da água, que é distribuída gratuitamente. Por causa da crise de abastecimento, as prestadoras de serviço podem também oferecer descontos para quem reduzir seus gastos, como já ocorre em Pará de Minas, Região Central do estado, a 90 quilômetros de Belo Horizonte.

Em Goiabeira, os moradores enfrentam problemas de distribuição em períodos de estiagem, quando a água some principalmente das regiões mais altas da cidade. Na seca, Goiabeira engrossa a lista das cidades em calamidade, que já somam mais de 150 no estado, mas na outra metade do ano convive com o desperdício. Com empréstimo de R$ 400 mil aprovado em linha de financiamento do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), a prefeitura está instalando rede de distribuição da água, com construção de reservatórios e instalação de hidrômetros. “Com o serviço, saberemos exatamente qual é o consumo do município. A meta é reduzir o desperdício. Temos uma população de 3 mil habitantes, mas nosso gasto é de uma cidade de 12 mil moradores, quatro vezes mais do que precisamos”, diz o prefeito Weliton Ronaldo da Silva. Segundo ele, com os recursos arrecadados, a prefeitura vai pagar o empréstimo que tomou do banco.

CONDIÇÃO SOCIAL
Para especialistas, a cobrança reduz sim o desperdício, mas as tarifas devem ser adequadas à condição social do usuário e prever o subsídio para populações de baixa renda. A Energy Choice, consultoria especializada em desenvolvimento sustentável, estima que em Minas Gerais perto de 110 municípios ainda não cobram pela utilização da água, mas o modelo pode se tornar insustentável. Eduardo Nery, diretor da consultoria, diz que em 2015 medidas para reduzir o consumo nos domicílios terão que entrar para a agenda do país com objetivo de reduzir o gasto entre 10% e 15%, e a medição por hidrômetros é a forma de se controlar o gasto.

Com um empréstimo de R$ 2,9 milhões, a Prefeitura de Jeceaba termina em janeiro obras de rede pluvial, implementação de hidrômetros e de estação de tratamento de esgoto e começará a cobrar pela água. Rômulo Pimenta, controlador-geral da prefeitura, diz que, com o novo sistema, o município, em um primeiro momento, deve reduzir o consumo de água em 33%. O financiamento será pago com os valores arrecadados pelo uso do recurso. “Aqui no município temos um índice muito alto de verminoses, o que deve ser solucionado com o novo serviço e melhoria da qualidade da água.”

“Os reservatórios de grande porte levam, em média, cinco anos para se recompor, e os de médio porte, três. Isso se tivermos estação chuvosa muito favorável”, aponta Eduardo Nery. Ele acredita que a partir de 2015 serão necessárias medidas emergenciais para economia de água e energia e que elas já deveriam ter começado desde o início deste ano. A tarifa livre incentiva o gasto acima da média, mas o desperdício vem também das perdas na rede das distribuidoras (que corresponde à água captada e perdida por falhas na rede ou “gatos” antes de chegar ao consumidor final).

35% do recurso se perde

A média de perdas do país é próxima a 35% da água produzida, e a meta do Banco Mundial é que esse percentual seja de 14%. “A perda no Brasil é altíssima, suficiente para abastecer quase 50% dos consumidores das concessionárias. Melhorar esse percentual é urgente e caro, envolvendo a substituição e modernização de equipamentos”, diz Eduardo Nery, consultor de empresa especialista em desenvolvimento sustentável. A Copasa informou que vem reduzindo seu percentual de perda, que hoje é de 230 litros por ligação. “Nossa meta é chegar ao fim de 2016 com 180 litros perdidos por ligação”, informou Ricardo Augusto Campos, presidente da companhia.

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em engenharia de recursos hídricos, Mario Cicareli aponta que a tarifa livre abre portas para o desperdício e a qualidade da água distribuída à população fica comprometida. Segundo ele, captar, tratar e distribuir a água é um serviço caro e a maioria dos municípios não dispõe de recursos para estações de tratamento e instalação de hidrômetros. Ele reforça que há recursos disponíveis para financiar os projetos tanto no Banco Mundial quanto no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). “Ocorre que esses recursos só são liberados mediante garantia de pagamento, que vem da cobrança do serviço”, explica.

Para o especialista, no caso de municípios de baixa renda, a água de qualidade e o tratamento do esgoto são item para a melhoria (Índece de Desenvolvimento Humano (IDH). “Nas populações de baixa renda, a cobrança pode ser subsidiada pelas próprias concessionárias ou pelo poder público”, diz Cicareli. Segundo a Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário de Minas Gerais (Arsae), as prefeituras podem estabelecer multas para casos de desperdícios em situações críticas, desde que tenham amparo legal.

PALAVRA DE ESPECIALISTA
Eduardo Nery, especialista em desenvolvimento sustentável, diretor da Energy Choice

 

“Racionalizar sem prejuízo”

As perdas de água das concessionárias brasileiras são, em média, de 38%, mas podem atingir 75%, um percentual absurdo. O Programa de Aceleração do Crescimento 3 (PAC), que vai dispor de R$ 1 trilhão, deveria reservar uma parcela de recursos para a redução de perdas dos sistemas de abastecimento nacionais, o que evitaria que toda essa água tratada fosse desperdiçada. Adicionalmente, há que se considerar o desperdício por parte dos consumidores, estimado em 10%. Desse percentual, cerca de 75% ocorre nos banheiros, o que permite uma racionalização sem prejuízo para os usuários.


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