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Estado de Minas LAGOS DE MINAS NÃO ESTÃO PARA PEIXE

Baixa recorde do nível de reservatórios sacrifica negócios na região de Três Marias

Piscicultores estudam ação judicial contra redução da vazão de água


postado em 15/06/2014 06:00 / atualizado em 15/06/2014 07:19

Pescadores observam gaiolas de produção no lago que está secando aos poucos. Opção é mudar tanques para lugares com maior profundidade (foto: SBETOMAGALHÃES/EM/D.APRESS%u201317/1/14 )
Pescadores observam gaiolas de produção no lago que está secando aos poucos. Opção é mudar tanques para lugares com maior profundidade (foto: SBETOMAGALHÃES/EM/D.APRESS%u201317/1/14 )
Os grandes bancos de terra seca são os primeiros sinais da mais longa estiagem que vem baixando o nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas do estado ao menor percentual visto desde 2001. Antes do risco de faltar energia, é a população à margem desses lagos artificiais que convive com a escassez. O problema já afeta os piscicultores mineiros e põe em pé de guerra quem precisa da água nessas regiões. Para tentar reduzir a mortandade, que já atinge 10% da produção de peixes como as tilápias criadas em tanques-rede, os criadores estão migrando para pontos mais profundos das represas. Expulsos pela baixa do nível das águas, a decisão só foi tomada depois que os prejuízos sacrificaram negócios erguidos até uma década atrás em regiões onde estão usinas como Três Marias, Furnas e São Simão. A situação é tão tensa que, depois de o município de Pirapora ter conseguido liminar para que a vazão da água não fosse reduzida na hidrelétrica, piscicultores do alto e médio São Francisco se preparam para questionar na Justiça a decisão.


Edmilson Ferreira Campos, presidente da Cooperativa dos Piscicultores do Alto e Médio São Francisco (Coopeixe), diz que a situação nos municípios do entorno das represas de Três Marias, Morada Nova e Felixlândia é crítica. “A seca está dizimando a criação de peixes.” A associação já protocolou carta no Operador Nacional do Sistema (ONS) e, segundo Campos nesta semana, caso as prefeituras não ingressem com ação judicial, a própria associação vai procurar o Judiciário. A intenção é que a vazão de 250 metros cúbicos por segundo de Três Marias seja reduzida para próximo de 88 metros cúbicos por segundo, percentual correspondente à entrada de água na represa. A seca expõe o cobertor curto. No caminho inverso, uma liminar expedida pela Justiça Federal, em ação civil pública impetrada pela Prefeitura de Pirapora (Norte de Minas) no mês passado, impede temporariamente a continuidade da redução da vazão do reservatório da Usina de Três Marias.

A seca está afetando também o ciclo reprodutivo de espécies nativas como o dourado, surubim, crumatá e piau, que em rios importantes como o São Francisco, Rio Grande, Rio Doce, Jequitinhonha e Paranaíba, não estão completando o ciclo da vida devido à baixa oxigenação da água. O impacto da estiagem, sentido pelos produtores no estado, já chega ao varejo, com pressão nos preços, e deve se intensificar a partir de 2015. “A seca está impedindo a piracema. A partir do ano que vem o impacto será sentido porque os peixes não estão nascendo. O mesmo ocorre com a criação em tanques-rede, que está com a expansão contida. Em 38 anos de profissão nunca vi situação tão crítica quanto agora”, observa José Eduardo Rasguido, especialista em piscicultura e coordenador da área na Emater. Ele estima que o reflexo vai chegar no preço no início do ano que vem. “Com essa situação, o peixe vendido hoje para o atacadista por R$ 4,50 o quilo vai superar R$ 5 a partir de janeiro de 2015”, calcula o especialista.

Importação e demanda
De janeiro a abril deste ano, o Brasil importou da China e Vietnã, da Europa e da América do Sul, R$ 1,4 bilhão entre peixes, crustáceos e moluscos, 17,7% mais que no mesmo período do ano passado. Para responder à demanda, a produção em Minas Gerais vem crescendo cerca de 20% ao ano desde 2008. A expectativa dos piscicultores era avançar os criatórios em 30% em 2014, mas a insegurança entre produtores adiou a expansão do negócio, isso porque a mudança de área deixa o manejo mais caro e faz crescer o custo da produção. A mortandade é um custo a mais que não estava previsto. Para piorar, analistas prevêm que Três Marias poderá chegar em outubro com o nível próximo a 4%, enquanto na última sexta-feira o nível do reservatório estava próximo a 14%.

A partir de hoje, o piscicultor Geraldo Magela está afastando seus tanques em um quilômetro de distância para atingir pontos mais profundos da represa, próximo às comportas. Seus irmãos, que também praticam a atividade, já fizeram a migração, assim como 50% dos piscicultores da região. A profundidade da represa , que no início do ano estava em 25 metros, hoje não ultrapassa seis metros e Geraldo já perdeu perto de 10% de seus peixes. Ele e sua família mantêm cerca de 50 tanques, com 700 peixes em cada um. “Com a estiagem, os peixes estão adoecendo. Vão ficando pintados de vermelho, até morrer. Estou muito preocupado. Vou afastar os tanques para tentar parar as perdas.” Pescador desde criança, Geraldo está preocupado com o futuro. “A Cemig prevê nível de 5% para Três Marias em outubro. Neste momento já estamos tendo prejuízo com o custo que cresceu e com a mortalidade dos peixes. No ano que vem começo a pagar o Pronaf (financiamento para pequenos produtores)”, explica o piscicultor. A prestação do empréstimo, pago em 10 anos, é outra preocupação diante do ano de crise para a produção.

Na sexta-feira ,o nível do reservatório de Três Marias chegava a 14,6%. No ano passado, a média do mês fechou em 48,6%. Furnas, que mantinha nível de 29,4%, tinha mais do dobro dessa capacidade (71%) no mesmo período do ano passado. Algumas regiões do estado tentam amenizar na Justiça os efeitos da estiagem a partir de liminares para reduzir a vazão dos reservatórios.

Produção parada no Triângulo

A tensão se estende pelo estado e atinge regiões como o Triângulo Mineiro. Cícero Faustino Nero e  12 companheiros da Associação dos Pescadores e Piscicultores de Capinópolis, no Triângulo, pararam de produzir há oito meses no lago da hidrelétrica de São Simão. “A seca deste ano foi a pior que já vi”, conta o piscicultor, que perdeu pelo menos 250 tilápias com mais de um quilo cada uma.

As esperanças, agora, estão no lado de cima do Rio Paranaíba, no lago formado pela Usina Hidrelétrica Cachoeira Dourada, da companhia Centrais Elétricas de Goiás. Cícero Nero diz que a expectativa é dar início à montagem dos tanques dentro de dois meses, em área onde não se imagina a possibilidade de baixa de 10 metros de profundidade, como ocorreu no fim do ano passado. Será preciso investir R$ 20 mil a R$ 25 mil só na compra de alevinos e ração. Se os planos forem bem-sucedidos, o grupo pretende colher, em equipamentos com capacidade para produzir 10 mil tilápias, uma produção entre 10 a 11 mil quilos de peixes dentro de sete meses.

A preocupação dos piscicultores não se resume à seca prolongada de 2014. Chove pouco sistematicamente há três anos, observa Cícero Nero. Na vizinha Tupaciguara, a estiagem também afetou o polo de psicultura que a prefeitura municipal decidiu incentivar em agosto de 2013, diante da importância da atividade para a manutenção de cerca de 5 mil empregos no município. O deslocamento dos tanques-rede foi inevitável, mas está longe de resolver o problema, observa a secretaria municipal de Turismo e Pesca, Rosângela Ferreira. Chamada carinhosamente de grande lago de Tupaciguara, a represa de Itumbiara jamais havia baixado a tanto nos últimos 10 anos. Na semana passada, chegou a 18% de sua capacidade.

“Precisamos nos organizar e colher dados para evitar que os piscicultores não sejam tão afetados quanto agora”, diz Rosângela, que se reuniu com os piscicultores em meados de maio e com representantes da superintendência federal do Ministério da Pesca e Aquicultura. Sofrem com a seca na região criadores com um número de tanques entre 450 e 850 equipamentos. No fim do mês passado, o ministério anunciou medida emergencial em apoio aos piscicultores do reservatório da usina de Ilha Solteira, em São Paulo, que foi também estendida aos empreendedores em outros lagos, autorizando o deslocamento de áreas aquícolas caso haja prejuízos decorrentes da estiagem.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a pasta informou que está monitorando a situação, mas ainda não dispõe de um levantamento sobre os efeitos da crise energética e de água. A produção nacional, que inclui a pesca extrativista e a aquicultura tem crescido ao ritmo de 30% ao ano. Com base nos dados mais recentes levantados, de 2011, as estimativas para o ano passado indicam que o Brasil produziu 2,420 milhões de toneladas de pescados. Os piscicultores de Minas podem ter produzido 60,5 mil toneladas em 2013. (MV)

 


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