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Estado de Minas

PEC abre nova relação entre trabalhadores domésticos e patrões

Mais que garantir direitos e estipular deveres, especialistas dizem que a nova lei vai romper o paradigma escravocrata que sempre permeou o trabalho da categoria no país


postado em 31/03/2013 00:12 / atualizado em 31/03/2013 12:46

Com Victor Martins

 

Os novos direitos dos empregados domésticos, que se igualam tardiamente aos dos demais trabalhadores brasileiros, após a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), deverão levar a uma mudança nas relações dentro das residências e no perfil das profissionais no futuro, avaliam sociólogos e antropólogos. O acréscimo salarial para quem tem empregada fixa é de 8% por conta da obrigatoriedade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), além do pagamento de eventuais horas extras, de 50% sobre a hora normal, e do adicional noturno, de 20%, para aquele profissional que for acionado entre 22h e 5h.

O custo de demissão sem justa causa também aumenta, pois a categoria passa a ter direito à multa de 40% sobre o FGTS. Nem mais nem menos o que todos os patrões recebem minimamente em seus empregos fora de casa. Mais do que impor direitos que aumentarão os custos dos empregadores, a PEC das Domésticas é a oportunidade que os brasileiros, que necessitam ou querem ter empregados fixos, têm para repensar a relação justa que deve ser mantida com a classe que presta um serviço em que os patrões não querem ou não podem se submeter pelas necessidades da carreira profissional. A outra opção é "faça você mesmo", como ocorre nos países desenvolvidos, em que o emprego doméstico é caro e restrito a poucos lares, os mais ricos.

"Há o preconceito institucional histórico em relação ao trabalho braçal no Brasil que se sobrepõe ao científico. O trabalho doméstico, a exemplo de alguns outros, como de encanador e eletricista, é desvalorizado", afirma a socióloga e professora universitária Laiza Spagna. No caso do emprego doméstico, a situação é pior, dizem os especialistas, pois ele tem origem numa sociedade escravocrata. O preconceito e a estigmatização da profissão são ainda mais reforçados por ser uma atividade de servir ao outro diretamente em suas necessidades pessoais e rotineiras.

Não à toa, as domésticas já foram chamadas de mucamas, criadas e servas. E pouco importa se o empregado é negro ou branco, observa o antropólogo Pedro Jaime, professor do Instituto Mackenzie e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). "A profissional que trabalha na creche e na escola, fazendo merenda ou limpando o chão, talvez ganhe o mesmo salário, mas ela não tem relação de domesticidade, que remete ao sistema colonial escravista", afirma. Daí o maior preconceito em relação aos empregados de residências.

Preconceito

Doméstica desde os 13 anos, a tocantinense Neide Souza Bezerra, de 40 anos, convive com a discriminação há quase três décadas. "Muita gente nem percebe, mas quando você fala que é doméstica, o comportamento da outra pessoa muda", conta. Ela diz que, apesar de o preconceito se manifestar, em geral, de forma indireta, como por uma mudança de comportamento ou expressão da pessoa, já chegou a enfrentar afrontas diretas. "Minha patroa paga plano de saúde para mim. Uma vez, quando precisei ir ao médico, ele se espantou que eu tivesse convênio e ainda disse: ‘Nossa, parece que agora ser empregada doméstica está na moda mesmo!’ Fiquei ofendida", relembra.

O antropólogo Roberto DaMatta, autor do clássico livro Carnavais, malandros e heróis, ressalta que as relações informais dentro de casa entre patrão e empregados, que incluem afeto e troca de favores entre as partes, é um dos motivos do alto grau de informalidade das contratações. Ele avalia, no entanto, que a regulamentação dos pontos polêmicos, como das horas extras, deve ser feita "com sensibilidade" para que seja plausível sua aplicação e não inviabilize totalmente uma relação que é construída à base da empatia e do afeto, quando o empregado e o patrão se ajustam bem. "A PEC vai transformar essa atividade, que terá uma cara melhor que a atual", diz.

Para os especialistas, as famílias terão que fazer arranjos em suas rotinas e nos horários para adequar suas necessidades aos direitos dos empregados. "A mudança na legislação obriga a um diálogo entre os hábitos estabelecidos e os novos", avisa DaMatta.


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