A continuar como elefante em loja de louça a cada ajuste de normas que regulam a atividade de alguns setores, a mais recente na área de geração e distribuição de energia elétrica, o governo se afasta do empresariado em nome do qual promove tais reformas, ampliando a desconfiança em vez de receber os aplausos que imagina merecer.
Se a indústria de manufaturados não tivesse perdido o pé nos anos recentes, somada ao alto rendimento da agropecuária e da produção mineral, nós – e não só a China, cuja economia era menor até meados da década de 1970 – deveríamos estar disputando com os EUA o lugar de potência econômica número 1. Hoje estamos na 6ª posição.
Mas isso se deve em parte à queda das economias europeias, como a Inglaterra. A medida que importa é que o grosso da riqueza nacional acumulada na indústria e na infraestrutura vem de investimentos não recentes, mas realizados duas a três décadas atrás. Os setores que avançaram foram mais os de serviços, como o financeiro, o comércio e a administração pública, além do ramo extrativo e a manufatura de oportunidade – as chamadas maquiladoras, montadoras de componentes importados, em que nacional é a embalagem e o selo Made in Brazil.
A continuidade desse curso nos põe na rota em que vinham os EUA – um país de consumidores cada vez mais atendidos por importações –, culminando com a derrocada em 2008. O embate na campanha que levou à reeleição do presidente Barack Obama girou em torno de como sair desse enrosco. Venceu o modelo compartilhado entre governo e setor privado, defendido por Obama. Discute-se agora a operacionalidade, começando pelas urgências: reforma fiscal, com aumento seletivo de imposto, corte de gasto e volta do investimento público e privado.
Não é diferente da agenda de prioridades do Brasil, assumida pela presidente Dilma Rousseff com amplo apoio, apesar da contrariedade mais de interesses corporativos que das atividades empresariais. O problema do empresariado está na forma das reformas, não no fim. O das corporações é o de manter e até reforçar a máquina estatal. É na composição desses interesses que o governo tropeça, tornando o que deveria ser sucesso retumbante em motivo de instabilidade.
Quem teme a discussão?
O processo de redução da tarifa de energia elétrica sintetiza bem o modus operandi da resolução de demandas consensuais na sociedade, o que inclui o empresariado, mas conduzidas de maneira atabalhoada, a portas fechadas, como se o governo temesse o debate transparente.
O que as empresas de energia alegam? Que o grosso do corte de 16% (para consumidor residencial) até 28% (consumidores de alta tensão) da tarifa virá do seu resultado, a maioria estatal, mas com ações nas bolsas. Hoje, a tarifa média é a terceira maior do mundo. Dito de outro modo: um disparate, sobretudo pela energia ser gerada pelo curso d’água, cujo custo não se compara às fontes térmicas. Além do mais, boa parte dos ativos vem de investimento já amortizado.
A escuridão tributária
Tal é a racionalidade do governo para aplicar um desconto sobre o valor das indenizações requeridas pela forma escolhida para fazer a reforma: antecipar a renovação dos contratos de concessão a vencer entre 2015 e 2017. Ficou num plano menor o fato de que os governos, o federal e os estaduais, sugam 45% da conta de luz com impostos.
Sem discussão, a redução média de 20% das tarifas ficou assim: 7 pontos percentuais vêm do corte de tributos e dois terços (ou os 93 pontos percentuais restantes) da renovação antecipada da concessão. Isso implica à estatal Eletrobras, a mais afetada pela mudança, uma perda de receita de R$ 9,6 bilhões em 2013 (47% do previsto no ano) e baixa contábil de R$ 18,7 bilhões de ativos avaliados no balanço por R$ 32,7 bilhões. A indenização proposta é de R$ 14 bilhões.
No ataque e sem defesa
Perdas antes dos ganhos de reformas estruturais são inevitáveis. A queda dos juros também desfalca a receita da banca. Por tais coisas é que insistimos que o crescimento, isto é, o resultado empresarial estatal e privado, terá que vir, necessariamente, de incrementos de produtividade e de ajustes de portfólio das empresas e do governo.
A estratégia de Dilma coincide com a de países que se antecipam à reviravolta em curso no mundo, como EUA e China. O problema é o seu estilo de murro na mesa, de contrariedade com quem julga desafiá-la ao propor outra visão. A questão elétrica é estudada desde 2008. Só agora o pacote é aberto, surpreendendo até empresas estatais. Jogar no ataque, sem atenção com a defesa e o meio de campo, pode agradar a torcida, mas não ganha campeonato.